sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Da Pratica de Ato Infracional Praticado Por Criança e Adolescente - Artigo 172 do ECA Comentado por Dr. Edson Seda



Todos, anciãos, adultos, adolescentes ou crianças têm o direito de fazer o uso de sua liberdade pública. Mas ninguém, ancião, adulto, adolescente ou criança tem a faculdade de praticar o abuso dessa liberdade, através das práticas de contravenções e de crimes. Por trás da criança (até doze anos) que pratica contravenção ou crime há a presunção legal, de cidadania, de que ela ameaça ou viola seus próprios direitos (hipótese do artigo 98, III do Estatuto).

Pode haver (ou não, dependendo da circunstância) a suposição de que, o ato por ela (criança) praticado, decorra de alguma forma de omissão de quem tinha o dever de prestar-lhe cuidados indispensáveis. Nessa eventual condição, pode caracterizar-se a hipótese do artigo 13 do Estatuto.
Apreendida a criança (note bem, estamos tratando neste comentário, agora aqui, de criança e não, de adolescente) pelo agente policial militar, cabe a primeira medida (inciso I) do artigo 101, nos termos do artigo 105. O agente deve encaminhá-la aos pais, sob termo de responsabilidade (notar que ninguém precisa determinar que ele faça isso, cabe a ele… fazer). O fato deve ser imediatamente comunicado ao delegado de polícia para abertura (ou para adotar procedimentos, no contexto) do respectivo inquérito policial. Sempre que há a certeza ou suspeita da prática de um crime, o delegado tem o dever de instaurar inquérito policial. Se não instaurar, pratica o crime de prevaricação (artigo 319 do Código Penal).
Continuando com a criança¸ e não, o adolescente: O delegado (porque foi ele que tomou conhecimento oficial do problema), acionará, nos termos da proteção jurídico-social (artigo 87, V), o assistente social, para as demais e eventuais providências previstas no artigo 105, e comunicará o fato ao Conselho Tutelar, para os fins do artigo 131 e a hipótese do artigo 13.
A política municipal de assistência social deve assegurar o acesso a um assistente social, na delegacia, nestas condições, da mesma forma que a política de saúde assegura médico nas vinte e quatro horas de dia, em hospital de emergência. O Conselho Tutelar deve sempre zelar para que, quem tenha o dever de tomar providências corretas, adote essas providências, sempre que a criança, em razão de sua conduta, ameace ou viole seus próprios direitos (hipótese III do artigo 98 do Estatuto). Mas conselheiro praticará o crime de usurpação de função pública, se assumir, na delegacia, ou fora dela, função que é privativa de assistente social, nos termos da lei federal 8.662, de 1993.
Agora, passando ao adolescente: Quando aquele que incide nas práticas de contravenção ou crime, nos termos deste artigo 172, tem entre 12 e 18 anos, a regra diz que ele deve ser apresentado ao delegado de polícia, que é a autoridade policial. Atenção: Não é para meter o acusado num depósito rotulado de UAP, de UIP, de NAI, de CRIAM, de TRIAGEM “para estudar o problema”, como se dizia no tempo do Código de Menores. Nem para obrigá-lo a conviver, rotulado, num programa comum a... infratores.
Melhor repetir aqui, leitor, a observação feita em relação ao artigo anterior: Estamos tentando recuperar antigos valores representados pela mesma regra dos antiqüíssimos jurisconsultos romanos, que se mostra mais eloqüente quando dita em latim: reus sacra res est (a pessoa do réu é coisa sagrada). Quem deixa de apresentar o acusado ao delegado e o recolhe em massificadores depósitos, ou o faz conviver em coletivo massificador, viola essa regra e pratica o crime descrito no parágrafo único do artigo 230:

Art. 230 - Privar a criança ou o adolescente de sua
liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em
flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem
escrita da autoridade judiciária competente:
Pena – detenção de seis meses a dois anos.

PARÁGRAFO ÚNICO - Incide na mesma pena
aquele que procede à apreensão sem observância das
formalidades legais.

Observar, leitor, que o sistema de Segurança Pública local não pode, de forma alguma, dar à delegacia que prende o adolescente, que faz a repressão ao adolescente, o nome de Delegacia de Proteção ao Adolescente. Essa denominação, adotada por anos no Rio de Janeiro, é errada e deseduca a população (dando a impressão de que, em vez de proteger a sociedade, mantendo incolumidade pública, existe para proteger o agressor, o violador da incolumidade pública). Esse erro institucional praticado pelos sucessivos governos estaduais, por anos sucessivos, foi responsável pela má compreensão pública das regras do Estatuto, entre os cidadãos da cidade maravilhosa.
A autoridade policial agilizará o atendimento inicial a esse adolescente acusado, cumprindo e fazendo cumprir o princípio da integração operacional prevista no artigo 88, V do Estatuto. Essa agilização individualizadora no atendimento inicial (não concentradora de problemas sociais) se faz com o delegado acionando o assistente social e o advogado que operam no âmbito do programa de orientação e apoio sócio-familiar do município (artigo 90, I). Todo município deve definir regras para a presença de advogado e assistente social, junto às delegacias, quando essa presença for necessária.
Quem faz isso é a prefeitura (note bem, a prefeitura, não o Governo do Estado, porque o princípio – artigo 88, I – é o da... municipalização). Então, a prefeitura, em atuação conjunta com as organizações representativas da população (artigo 88, I e II), no âmbito do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, define o programa em que operam o advogado e o assistente social. Obrigatoriamente, por mandamento constitucional.
Essa linha de ação denominada no artigo 87, V, de proteção jurídico-social, através de orientação e apoio sócio-familiar (artigo 90, I), é aquela que integra, à regra do artigo 172, as regras do artigo 206 do Estatuto (ver comentário) e do artigo quarto, incisos III e V da lei 8.662 de 1993:

Art. 4º - Constituem competência do assistente social:

III – encaminhar providências e prestar ori-
entação social a indivíduos, grupos e à
população;

V - orientar indivíduos e grupos de diferen-
tes segmentos sociais no sentido de i-
dentificar recursos e de fazer uso dos
mesmos no atendimento e na defesa de
seus direitos.

Muitos dos equívocos cometidos na aplicação desta regra do artigo 172 se devem ao fato de que o leitor lê apenas esse artigo 172 e se esquece da interpretação sistemática em que as várias disposições de um texto legal se interpenetram formando um sistema de regras harmônicas e coerentes com vistas ao conjunto dos direitos e dos deveres em questão.
PARÁGRAFO ÚNICO - Havendo repartição policial especializada para atendimento de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em co-autoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada, que, após as providências necessárias e conforme o caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria.
Se há uma regra que vem sendo solenemente desprezada após a construção alterativa do Estatuto, é esta deste parágrafo único. Esse desprezo é regra onde, em vez de diluir problemas com atendimento individualizado do adolescente, o que se faz é concentrar problemas em depósitos, nos quais, naturalmente, não são recolhidos os adultos em eventual co-autoria.

Tira dúvida com Dr. Edson Seda
Tema: Artigo 172
Fonte: Estatuto Comentado (http://www.edsonseda.com.br/)

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