domingo, 12 de maio de 2013

CARTA ABERTA À DEPUTADA FEDERAL ÉRIKA KOKAY

De: Mauro Faria de Lima
Enviado: quinta-feira, 9 de maio de 2013 16:50
Assunto: Carta Aberta.



CARTA ABERTA À DEPUTADA FEDERAL ÉRIKA KOKAY


EXMA SRA DEPUTADA FEDERAL
Vossa excelência tem um trabalho longo e coerente na defesa dos Direitos Humanos, principalmente das minorias. Foi assim desde os tempos da Câmara Legislativa do DF. Na Presidência da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, fui testemunha do vosso empenho e despreendimento. Recebi inúmeros ofícios de V. Exa. noticiando, solicitando e cobrando apurações e denúncias contra agentes do aparelho repressor do Estado que agiam em ofensa aos Direitos Humanos. Foi assim, só para lembrar, no caso da Cavalaria jogada sobre os estudantes da UNB, que manifestavam no “FORA ARRUDA”. Foi assim no caso das famílias perseguidas por PMs em Santa Maria-DF. Foi assim no caso das revisões das L200 da PMDF. Foi assim no caso dos moradores de rua da rodoviária, perseguidos pela polícia que fazia uma “limpeza urbana”. Foram inúmeros os casos que atendi, em cumprimento de meu dever, os pleitos de V. Exa.

Só que agora, Deputada, esse poder-dever que ainda detenho está seriamente ameaçado: caso seja aprovada a PEC 37, o Ministério Público estará proibido de investigar e apurar crimes, inclusive violação dos direitos Humanos! Somente as polícias civis e federal poderão investigar!

Por experiência própria, bem sabe V. Exa., que os maiores violadores dos Direitos Humanos de primeira geração são os agentes públicos, em especial os órgãos de segurança pública (as polícias).

Ao longo dos anos, as polícias têm se notabilizado pelas violações de Direitos Humanos (vida, integridade corporal e liberdade), mas não têm sido elas -as polícias - assim tão ciosas na apuração e responsabilização dos seus agentes, quanto o são em sua defesa corporativa. Merecem esse privilégio da PEC 37?

A polícia brasileira, como um todo, é violenta e uma das que mais matam no mundo. Os organismos e entidades internacionais de proteção dos Direitos Humanos preconizam, como forma de se evitar essas violações, que o Ministério Público tenha uma participação mais ativa na persecução penal e no controle da polícia. Na contramão disso tudo está a PEC 37, patrocinada, certamente, por deputados-delegados e políticos ressentidos com a atuação do Ministério Público.

Pode ter havido, e certamente houve, excessos por parte de alguns membros do Ministério Público. Isto, porém, não pode servir de pretexto para se aniquilar uma instituição tão cara à sociedade brasileira, como é o Ministério Público. Se assim fosse, o próprio Parlamento brasileiro talvez sucumbisse ao veredicto popular, que o identifica com as mazelas que teimam em recair sobre o povo brasileiro. Uma injustiça: não há democracia sem Parlamento, o mais transparente de todos os poderes.

A PEC 37, Deputada, constitui uma anomalia em nosso sistema jurídico: ela impede a que a parte que deduz em juízo uma pretensão, busque as provas em que se baseia. Impede o Ministério Público de buscar suporte para a acusação e a defesa de buscar elementos para a própria defesa do imputado! Assim, as partes processuais – acusação e réu – e o Juiz, os chamados sujeitos processuais, passam a depender única e exclusivamente da polícia, ou seja: no processo penal um agente administrativo do estado -a polícia- comanda a acusação, a defesa e o Juiz! É o monopólio do processo penal.

Tudo isso se baseia no ardiloso e fraudulento argumento de que assim se garante os direitos individuais, por que a polícia tem que ser imparcial.

Ora, se tomarmos o termo como “não ser parte”, portanto, imparcial, a polícia já o é, pois a polícia efetivamente não é parte processual e nem sujeito. É apenas um órgão administrativo que apura autoria e materialidade dos crimes. Não lhes cabe julgar. Portanto, de nenhuma valia a imparcialidade e outros atributos buscados pelos órgãos de repressão do Estado.

Caso a PEC 37 seja aprovada, ficará muito difícil, talvez impossível, responsabilizar os violadores dos Direitos Humanos em sede penal, principalmente se a violação partir dos próprios policiais.

Desta feita, solicito de V. Exa. tão conhecedora do assunto, gestões junto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, objetivando a rejeição dessa anomalia jurídica, monstruosidade política, desvio ético e desastre moral que a PEC 37.

Mauro Faria de Lima
Promotor de Justiça

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