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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Palmada no descontrole - Artigo 2


Crescer Notícias

Enquanto a Lei da Palmada não entra em vigor, veja aqui por que bater na criança ainda é uma alternativa tão aceita pela sociedade - e como, apesar de muitos ainda acharem o contrário, ela NÃO funciona
 Jussara Mangini
Fotomontagem: Anthony Marsland/gettyimages
Mais de um ano após o projeto de lei contra maus-tratos ter causado um alvoroço de discussões no Brasil, nesta terça (22) o assunto voltou a ser discutido em audiência pública promovida pela Comissão Especial da Educação Sem Uso de Castigos Corporais, que analisa o Projeto de Lei 7672/10. Tudo indica que a Lei da Palmada deve ser votada em comissão especial criada para estudar a proposta no dia 6 de dezembro. Se for aprovada, segue para o Senado e, então, poderá alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Tudo para garantir que as crianças sejam educadas pelos adultos com carinho – da forma que merecem.

Theo tem ainda poucos meses de vida, mas o sofrimento com as cólicas parece de gente grande. Um dia, depois de um longo choro, ele finalmente dormiu. Mas naquele momento sua prima, Isabela, 2 anos, entrou no quarto do bebê tagarelando. A mãe pediu à filha que falasse baixinho para não acordar o primo. Isabela, no seu íntimo, ouviu uma ordem completamente inversa e começou a falar cada vez mais alto. A mãe insistiu, ainda com muito jeito, e a menina continuou gritando. Até que a mãe soltou a frase ilustre: “Quer apanhar?”. E a menina, surpreendentemente disse: “Queeerooo!”, como se fosse ganhar um brinquedo novo. 

De um lado há Isabela, que, como toda criança da sua faixa etária, entende e pronuncia várias palavras, mas não sabe exatamente o que elas significam. De outro, a publicitária Tatiane Costa, 30, assume que já esteve várias vezes por um triz de dar uma palmada na filha, principalmente quando se sente desafiada por ela, e que até já chegou a ameaçá-la, como no dia descrito acima. Mas Tatiane resiste. “Quero que ela me respeite e me obedeça entendendo que eu a amo e quero o melhor para ela, e não por medo da ameaça de dor física.” 

Não há pai ou mãe que não tenha vivido essa dúvida em algum momento. Estamos em uma sociedade à beira de um ataque de nervos e a violência parece uma alternativa. “A palmada nos filhos é uma estratégia bastante utilizada, como uma medida de emergência ou quando julgam ter esgotado todos os recursos”, observa Luciana Caetano, autora de É Possível Educar Sem Palmadas? (Ed. Paulinas). “Só que os pais confundem palmada com impor limites.” E não notam, então, que ela não funciona de fato. Mais que isso: tem efeitos colaterais bem sérios. “A surra alivia a culpa. A criança que leva uma palmada se sente livre para fazer a coisa errada novamente, pois ‘já pagou’ pelo erro anterior. Por outro lado, pode gerar na criança o sentimento de que é muito má e desobediente e, por isso, merece esse tipo de tratamento.” 

O medo de falhar na educação dos filhos nos atormenta. E hoje parece estar tudo ainda mais complexo do que na época de nossos pais e avós. Sentimos uma pressão geral para não cometermos deslizes na criação dos filhos, que também não podem errar. 

Resultado? Um grande conflito sobre como impor limites, ensiná-los a lidar com frustrações e, principalmente, fazê-los aceitar regras sem, para isso, temer as hierarquias e, sim, respeitá-las. Em meio a tanta correria, lutamos para ganhar tempo. E o tempo da educação é outro. 

Não é à toa que a chamada Lei da Palmada – projeto apresentado em maio de 2010 pela ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, ainda em tramitação – gerou tanto debate entre especialistas e desaprovação de boa parte da população. A lei que veta castigos físicos a crianças foi reprovada por 54% dos 10.905 entrevistados pelo Instituto Datafolha em julho do ano passado, e 36% revelaram ser favoráveis. A mesma pesquisa identificou que 72% dos que já eram pais haviam sofrido algum tipo de castigo físico, sendo que 16% disseram que apanhavam sempre quando crianças. 

Segundo os especialistas, há uma tendência de repetição de comportamento de quem apanhou dos pais, como o caso da assistente administrativo Thaís Sadério, 31 anos, mãe de duas meninas, com 6 e 8. “Acho que as palmadas educam. Levei as minhas quando criança e não sou traumatizada ou revoltada. Funcionou comigo e com meus irmãos. Com as minhas filhas, eu chamo atenção até duas vezes, alertando para não fazer e por que não fazer. Se repetirem, entro com as palmadas. É o meu jeito de impor limites agora para formar um adulto melhor”, diz. 

Temos direito à palmada?
A discussão sobre a lei trouxe muitas opiniões diversas, inclusive a favor do direito dos pais de bater “de vez em quando” e contrárias à interferência do Estado sobre a educação dos filhos de cada família. Durante uma audiência pública no dia 30 de agosto, em Brasília, alguns equívocos criados em torno da lei foram esclarecidos: a lei não propõe prender ninguém. A principal causa do projeto é provocar a reflexão nas famílias brasileiras sobre práticas automáticas e sem sentido, indicando que não podem ser utilizados castigos corporais e tratamento cruel e degradante. “Queremos uma lei que apoie as famílias. Jamais uma intervenção do Estado na vida das pessoas”, declarou a ministra Maria do Rosário, em evento sobre o assunto em junho deste ano. 

A terapeuta infantil Denise Dias, autora do recém-lançado Tapa na Bunda – Como Impor Limites e Estabelecer um Relacionamento Sadio com Crianças em Tempos Politicamente Corretos (Ed. Matrix), acha que foram atribuídos significados inadequados a palavras como autoridade e castigo, e isso contribuiria para que os “pais de hoje sofram por não ter a certeza de como agir como pais e pequem na permissividade”. Ela defende a palmada e castigos desde que aplicados com critérios conforme o nível de infração cometida pela criança. “Se o seu filho joga no chão o brinquedo do irmãozinho e você já lasca um tapa na poupança dele, o que vai fazer quando ele gritar ou xingar você?”, alerta Denise no livro. 

Ângela Maria Gonçalves, 43 anos, mãe de um menino com 4, já passou por isso. Bateu no filho porque ele a xingou, algo que ela não admite. “Foi uma situação limite. Eu costumo ser bastante carinhosa e conversar muito com ele. Educar dá trabalho e requer habilidade e esforço”, diz. 

Educar realmente dá trabalho. Talvez por isso cada vez mais se empurre essa responsabilidade para a escola. Mas, no Reino Unido, está sendo exigido da escola até mesmo a volta da palmatória. Segundo dados de uma pesquisa do suplemento de educação do jornal The Times, que ouviu mais de 2 mil pais e mães ingleses, 49% acham que castigos dados por professores deveriam voltar para as escolas. A pesquisa foi lançada em um momento em que o secretário de Educação, Michael Gove, quer dar mais poder aos professores para repreender os alunos. Muitos professores não concordam. Desde 1984 a legislação inglesa veta castigos físicos nas escolas. 

O pediatra Lauro Monteiro, editor do site Observatório da Infância, risca de sua lista qualquer tipo de agressão, seja um tapinha, seja uma surra. Para ele, as crianças devem ter limites bem estabelecidos, com firmeza, pelos pais. “Bater em uma criança é sempre um ato de covardia, abuso do mais forte contra o mais fraco”, ressalta ele, que esteve 35 anos à frente do Serviço de Pediatria do Hospital Municipal Souza Aguiar, do Rio de Janeiro, 18 anos na Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) e 40 anos em consultório. 

No Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas de São Paulo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a equipe de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos é treinada para diferenciar uma violência de um acidente, e os maus-tratos são comunicados ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância. No primeiro semestre de 2010, o Instituto registrou 60 casos de maus-tratos infantis, 36% a mais que o ano anterior. De acordo com o pediatra da casa, Antônio Carlos Alves Cardoso, 75% das agressões acontecem com crianças menores de 2 anos. Em 60% dos casos a agressora é a mãe. De acordo com a tese de doutorado de Cardoso sobre o assunto, mais de 90% das que sofrem agressão terão sequelas físicas ou psicológicas. Mas bater é uma das formas de maus-tratos à criança. Existem outras tão ou mais graves como as agressões psicológicas, abuso sexual, síndrome do bebê sacudido e negligência. Essa, segundo Cardoso, responde por 60% das ocorrências, enquanto agressão física está em 25% dos registros. 

A prefeitura de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, foi a primeira a obrigar redes pública e privada de atendimento médico a notificar casos de suspeita de agressão. Antes da implantação do Sistema Integrado de Saúde, os pais levavam os filhos com hematomas a locais diferentes de atendimento para não levantar suspeita. Agora, com a rede de dados, checa-se o histórico. Após a criação do serviço, em quatro meses o número de notificações chegou a 51, enquanto em todo o ano anterior foram 26.

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