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Enquanto a Lei da Palmada não entra em vigor, veja aqui por que bater na criança ainda é uma alternativa tão aceita pela sociedade - e como, apesar de muitos ainda acharem o contrário, ela NÃO funciona
Enquanto a Lei da Palmada não entra em vigor, veja aqui por que bater na criança ainda é uma alternativa tão aceita pela sociedade - e como, apesar de muitos ainda acharem o contrário, ela NÃO funciona
Jussara Mangini
Mais
de um ano após o projeto de lei contra maus-tratos ter causado um
alvoroço de discussões no Brasil, nesta terça (22) o assunto voltou a
ser discutido em audiência pública promovida pela Comissão Especial da
Educação Sem Uso de Castigos Corporais, que analisa o Projeto de Lei
7672/10. Tudo indica que a Lei da Palmada deve ser votada em comissão
especial criada para estudar a proposta no dia 6 de dezembro. Se for
aprovada, segue para o Senado e, então, poderá alterar o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Tudo para garantir que as crianças sejam
educadas pelos adultos com carinho – da forma que merecem.
Theo tem ainda poucos meses de vida, mas o sofrimento com as cólicas parece de gente grande. Um dia, depois de um longo choro, ele finalmente dormiu. Mas naquele momento sua prima, Isabela, 2 anos, entrou no quarto do bebê tagarelando. A mãe pediu à filha que falasse baixinho para não acordar o primo. Isabela, no seu íntimo, ouviu uma ordem completamente inversa e começou a falar cada vez mais alto. A mãe insistiu, ainda com muito jeito, e a menina continuou gritando. Até que a mãe soltou a frase ilustre: “Quer apanhar?”. E a menina, surpreendentemente disse: “Queeerooo!”, como se fosse ganhar um brinquedo novo.
Theo tem ainda poucos meses de vida, mas o sofrimento com as cólicas parece de gente grande. Um dia, depois de um longo choro, ele finalmente dormiu. Mas naquele momento sua prima, Isabela, 2 anos, entrou no quarto do bebê tagarelando. A mãe pediu à filha que falasse baixinho para não acordar o primo. Isabela, no seu íntimo, ouviu uma ordem completamente inversa e começou a falar cada vez mais alto. A mãe insistiu, ainda com muito jeito, e a menina continuou gritando. Até que a mãe soltou a frase ilustre: “Quer apanhar?”. E a menina, surpreendentemente disse: “Queeerooo!”, como se fosse ganhar um brinquedo novo.
De
um lado há Isabela, que, como toda criança da sua faixa etária, entende e
pronuncia várias palavras, mas não sabe exatamente o que elas
significam. De outro, a publicitária Tatiane Costa, 30, assume que já
esteve várias vezes por um triz de dar uma palmada na filha,
principalmente quando se sente desafiada por ela, e que até já chegou a
ameaçá-la, como no dia descrito acima. Mas Tatiane resiste. “Quero que
ela me respeite e me obedeça entendendo que eu a amo e quero o melhor
para ela, e não por medo da ameaça de dor física.”
Não há
pai ou mãe que não tenha vivido essa dúvida em algum momento. Estamos
em uma sociedade à beira de um ataque de nervos e a violência parece uma
alternativa. “A palmada nos filhos é uma estratégia bastante utilizada,
como uma medida de emergência ou quando julgam ter esgotado todos os
recursos”, observa Luciana Caetano, autora de É Possível Educar Sem Palmadas? (Ed.
Paulinas). “Só que os pais confundem palmada com impor limites.” E não
notam, então, que ela não funciona de fato. Mais que isso: tem efeitos
colaterais bem sérios. “A surra alivia a culpa. A criança que leva uma
palmada se sente livre para fazer a coisa errada novamente, pois ‘já
pagou’ pelo erro anterior. Por outro lado, pode gerar na criança o
sentimento de que é muito má e desobediente e, por isso, merece esse
tipo de tratamento.”
O medo de falhar na educação dos
filhos nos atormenta. E hoje parece estar tudo ainda mais complexo do
que na época de nossos pais e avós. Sentimos uma pressão geral para não
cometermos deslizes na criação dos filhos, que também não podem errar.
Resultado?
Um grande conflito sobre como impor limites, ensiná-los a lidar com
frustrações e, principalmente, fazê-los aceitar regras sem, para isso,
temer as hierarquias e, sim, respeitá-las. Em meio a tanta correria,
lutamos para ganhar tempo. E o tempo da educação é outro.
Não
é à toa que a chamada Lei da Palmada – projeto apresentado em maio de
2010 pela ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, ainda em
tramitação – gerou tanto debate entre especialistas e desaprovação de
boa parte da população. A lei que veta castigos físicos a crianças foi
reprovada por 54% dos 10.905 entrevistados pelo Instituto Datafolha em
julho do ano passado, e 36% revelaram ser favoráveis. A mesma pesquisa
identificou que 72% dos que já eram pais haviam sofrido algum tipo de
castigo físico, sendo que 16% disseram que apanhavam sempre quando
crianças.
Segundo os especialistas, há uma tendência de
repetição de comportamento de quem apanhou dos pais, como o caso da
assistente administrativo Thaís Sadério, 31 anos, mãe de duas meninas,
com 6 e 8. “Acho que as palmadas educam. Levei as minhas quando criança e
não sou traumatizada ou revoltada. Funcionou comigo e com meus irmãos.
Com as minhas filhas, eu chamo atenção até duas vezes, alertando para
não fazer e por que não fazer. Se repetirem, entro com as palmadas. É o
meu jeito de impor limites agora para formar um adulto melhor”, diz.
Temos direito à palmada?
A
discussão sobre a lei trouxe muitas opiniões diversas, inclusive a
favor do direito dos pais de bater “de vez em quando” e contrárias à
interferência do Estado sobre a educação dos filhos de cada família.
Durante uma audiência pública no dia 30 de agosto, em Brasília, alguns
equívocos criados em torno da lei foram esclarecidos: a lei não propõe
prender ninguém. A principal causa do projeto é provocar a reflexão nas
famílias brasileiras sobre práticas automáticas e sem sentido, indicando
que não podem ser utilizados castigos corporais e tratamento cruel e
degradante. “Queremos uma lei que apoie as famílias. Jamais uma
intervenção do Estado na vida das pessoas”, declarou a ministra Maria do
Rosário, em evento sobre o assunto em junho deste ano.
A terapeuta infantil Denise Dias, autora do recém-lançado Tapa na Bunda – Como Impor Limites e Estabelecer um Relacionamento Sadio com Crianças em Tempos Politicamente Corretos
(Ed. Matrix), acha que foram atribuídos significados inadequados a
palavras como autoridade e castigo, e isso contribuiria para que os
“pais de hoje sofram por não ter a certeza de como agir como pais e
pequem na permissividade”. Ela defende a palmada e castigos desde que
aplicados com critérios conforme o nível de infração cometida pela
criança. “Se o seu filho joga no chão o brinquedo do irmãozinho e você
já lasca um tapa na poupança dele, o que vai fazer quando ele gritar ou
xingar você?”, alerta Denise no livro.
Ângela Maria
Gonçalves, 43 anos, mãe de um menino com 4, já passou por isso. Bateu no
filho porque ele a xingou, algo que ela não admite. “Foi uma situação
limite. Eu costumo ser bastante carinhosa e conversar muito com ele.
Educar dá trabalho e requer habilidade e esforço”, diz.
Educar
realmente dá trabalho. Talvez por isso cada vez mais se empurre essa
responsabilidade para a escola. Mas, no Reino Unido, está sendo exigido
da escola até mesmo a volta da palmatória. Segundo dados de uma pesquisa
do suplemento de educação do jornal The Times, que ouviu mais
de 2 mil pais e mães ingleses, 49% acham que castigos dados por
professores deveriam voltar para as escolas. A pesquisa foi lançada em
um momento em que o secretário de Educação, Michael Gove, quer dar mais
poder aos professores para repreender os alunos. Muitos professores não
concordam. Desde 1984 a legislação inglesa veta castigos físicos nas
escolas.
O pediatra Lauro Monteiro, editor do site
Observatório da Infância, risca de sua lista qualquer tipo de agressão,
seja um tapinha, seja uma surra. Para ele, as crianças devem ter limites
bem estabelecidos, com firmeza, pelos pais. “Bater em uma criança é
sempre um ato de covardia, abuso do mais forte contra o mais fraco”,
ressalta ele, que esteve 35 anos à frente do Serviço de Pediatria do
Hospital Municipal Souza Aguiar, do Rio de Janeiro, 18 anos na
Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e
Adolescência (Abrapia) e 40 anos em consultório.
No
Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas de São Paulo, da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a equipe de
médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos é treinada para
diferenciar uma violência de um acidente, e os maus-tratos são
comunicados ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância. No primeiro
semestre de 2010, o Instituto registrou 60 casos de maus-tratos
infantis, 36% a mais que o ano anterior. De acordo com o pediatra da
casa, Antônio Carlos Alves Cardoso, 75% das agressões acontecem com
crianças menores de 2 anos. Em 60% dos casos a agressora é a mãe. De
acordo com a tese de doutorado de Cardoso sobre o assunto, mais de 90%
das que sofrem agressão terão sequelas físicas ou psicológicas. Mas
bater é uma das formas de maus-tratos à criança. Existem outras tão ou
mais graves como as agressões psicológicas, abuso sexual, síndrome do
bebê sacudido e negligência. Essa, segundo Cardoso, responde por 60% das
ocorrências, enquanto agressão física está em 25% dos registros.
A
prefeitura de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, foi a primeira a
obrigar redes pública e privada de atendimento médico a notificar casos
de suspeita de agressão. Antes da implantação do Sistema Integrado de
Saúde, os pais levavam os filhos com hematomas a locais diferentes de
atendimento para não levantar suspeita. Agora, com a rede de dados,
checa-se o histórico. Após a criação do serviço, em quatro meses o
número de notificações chegou a 51, enquanto em todo o ano anterior
foram 26.
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