Entrevista com Irmã Vera Lúcia Altoé, coordenadora nacional da Pastoral da Criança.
A irmã Vera Lúcia Altoé, 54 anos, assumiu em 2007 a importante missão de substituir a médica pediatra Zilda Arns na coordenação da Pastoral da Criança. Agora, com o falecimento de Zilda, irmã Vera diz que perdeu uma amiga e uma guia profissional. “Todos os dias, pela manhã, ela passava aqui na minha sala com um sorriso, dava-me um abraço e perguntava: ‘Firme como o cedro do Líbano?’ Tenho certeza de que seu exemplo de vida vai gerar bons frutos”, afirma a religiosa. Para ela, hoje o maior desafio da instituição é o último desejo de Zilda: chegar a todas os meninos e meninas pobres do Brasil.
Zilda Arns preparou a sucessão na Pastoral da Criança. Mas, como ela era uma pessoa muito carismática, a senhora ficou com medo de substituí-la?
Foi, com certeza, um grande desafio. No primeiro ano todas as voluntárias me perguntavam, nos encontros regionais, onde ela estava e por que não tinha ido. Zilda fez um trabalho maravilhoso, foi a fundadora da pastoral, há muitos traços dela. Ela tinha uma bagagem enorme, inclusive por ser médica, eu sou pedagoga. Todos esses méritos são dela, ela trabalhou por 25 anos com o coração. Mas, como ela preparou bem sua sucessão, a situação fluiu. Ela estava com mais de 70 anos e coordenando três pastorais, a da Criança, a Internacional e a dos Idosos. Zilda era uma pessoa muito inteligente, tinha visão e foi muito sábia nesta hora. Em vez de esperar algo dar errado, preparou-se. Com certeza, foi uma obra de Deus.
A pastoral tem muitas conquistas. Quais são os desafios a partir de agora?
Na última mensagem de Zilda, ela disse que estava com o coração inquieto porque acompanhávamos apenas 20% das crianças pobres do país. Ela dizia que precisávamos chegar a todas. Este é o nosso desafio. A morte dela suscitou muitas sementes, seu sangue gerará muita fecundidade. Precisamos fortalecer o trabalho das líderes, precisamos de mais voluntários para chegar aos 80% restantes. Não queremos que nenhuma criança morra por falta de compromisso. Temos bons parceiros, mas a ajuda é sempre bem-vinda. Nosso maior capital são voluntários, então pedimos que as pessoas venham até nós, doem um pouquinho de seu tempo.
O que a perda de Zilda significou para a senhora?
Brincava que ela era meu dicionário. Qualquer dúvida, eu corria para a sala dela. Todos os dias, pela manhã, ela passava aqui na minha sala com um sorriso, dava-me um abraço e perguntava: “Firme como o cedro do Líbano?” Ela transmitia sempre muita paz, sabia ter ternura e firmeza na medida certa. Perdi uma grande amiga e batalhadora. Para a pastoral, perdemos nossa grande missionária. Mas, por outro lado, todos ganhamos. Ela conseguiu propagar suas ideias, morreu como uma mártir e levou a mensagem de se doar para os mais necessitados. É isso que a pastoral precisa, estar onde estão os mais pobres. A caminhada vai continuar. A instituição foi construída sobre rochas e nada vai abalar o trabalho dos voluntários. Du rante o velório, a fala das líderes era: agora precisamos ser ainda mais fortes.
Como foi seu início na vida religiosa?
Eu morava em Cachoeiro do Itapemirim (ES) e, quando tinha 13 anos, uma religiosa passou em nossa casa e me fez um chamado. Ela perguntou se eu queria começar a estudar e ser como ela. Em fevereiro de 1969 fui para um colégio na divisa com Minas Gerais. Lá, tive contato com a vida religiosa e o que mais me chamou a atenção foi a frase de Jesus “Vinde e vede”. Eu fui, vi, gostei e fiquei. Depois estudei em São Paulo e entrei para o noviciado, onde tive uma formação específica e voltada para Deus. Em 1977, fui enviada para um colégio em Poconé, no Mato Grosso. Também fiquei 14 anos em uma escola em Cuiabá.
E o início na Pastoral da Criança?
Quando estava em Cuiabá, morava em uma favela. Recebi um convite de uma freira para assumir a pastoral. Não conhecia a dinâmica ainda e fiquei preocupada, mas ela disse que o aprendizado seria fácil. Depois de quatro anos na arquidiocese da cidade, fui chamada para ser coordenadora regional do Mato Grosso. Sentia que tinha feito um bom trabalho e na coordenação tive oportunidade de visitar todas as dioceses do estado. O que mais chamava minha atenção era o acolhimento, o carinho.
Após este período, tornei-me secretária do Conselho Diretor da Pastoral da Criança Nacional. Foi um aprendizado grande, pude conhecer a amplitude do trabalho em todo o Brasil. Em 2007 fui indicada para assumir a coordenação. Foi um susto, porque sabia que seria um grande desafio. Cheguei a recusar porque não me sentia capacitada. O que me fez aceitar foi o pensamento de que Jesus estaria comigo todos os dias e também o fato de que, se Deus havia conduzido o barco até então, não seria naquele momento que faria diferente. Antes de meu pai morrer, havia prometido a ele que não negaria nada do que fosse capaz de fazer. Então concluí que, se haviam me chamado, al gu ma capacidade eu tinha. Então iniciamos o trabalho.
Qual seu maior aprendizado na pastoral?
Conhecer o trabalho dos líderes, presenciar a partilha e a doação. Este trabalho de ponta é lindo, do voluntário que vai de bicicleta até uma comunidade para cuidar das crianças. Se eu pudesse beijar o pé de alguém hoje, seria o pé deles. Faça chuva ou sol, eles estão lá. Acompanhei um caso, em Sinop, de um menino que estava quase morto e os líderes fizeram o impossível para salvá-lo, iam até a casa dele todos os dias. A comunidade forte é o primeiro passo para um país melhor. Esse foi o legado de Zilda, de levar o desenvolvimento integral para as crianças.
Fonte de Pesquisa: Assessoria de Imprensa da CNBB – Vânia (imprensa3@cnbb.org.br)
(Enviada: quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010 13:00:18)
(Gazeta do Povo – PR - Pastoral precisa chegar a todas as crianças do país - Publicado em 04/02/2010 - Paola Carriel)
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