Por Guilherme Zocchio, da Repórter Brasil para
o Promenino
Para João Júlio**, havia mais do que uma pedra
no meio do caminho. Eram centenas, no mínimo. Aos 15 anos de idade, o garoto
não ia à escola para, assim como o pai, quebrar pedaços de basalto com uma
marreta. Juntamente a um grupo de dez homens, ele foi resgatado do regime de
trabalho análogo ao de escravo por uma fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), ocorrida no último dia 30 de julho, em uma pedreira situada na
zona rural do município de Antônio Prado, a cerca de 180 km ao norte de Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul (RS). João Júlio era o único com menos de 18
anos.
Segundo os fiscais do MTE, as rochas retiradas do
local, de propriedade da empresa Mineração Zulian, seriam utilizadas como
paralelepípedos para a pavimentação de ruas e calçadas. O menino era
responsável por extrair pedaços do mineral, um tipo atividade que, pelo
ambiente insalubre e esforço excessivo, poderia lhe causar graves problemas de
saúde.
“Quando a gente fala em saúde, costuma assustar
muito mais do que quando falamos somente das consequências sociais do trabalho
infantil. Por isso é sempre importante deixarmos claro quais são os riscos”,
salienta a coordenadora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cerest) em Caxias do Sul (RS), a enfermeira Ana Maria Mezzomo. Para ela,
jovens com menos de 18 anos que ingressam no mundo do trabalho estão em
situação muito mais vulnerável do que os adultos. Conforme explica a agente do
Cerest, João Júlio estaria principalmente sujeito a desenvolver problemas em
seu sistema ósseo, porque se encontra em fase de crescimento.
“Os esforços requeridos por um adolescente não
podem ultrapassar a marca de 2,7 kg. No caso do trabalho em uma pedreira, além
de ser perigoso e cansativo, com certeza há o risco de desenvolver doenças
osteomusculares”, explica a especialista de saúde. De acordo com a enfermeira,
a intensidade do serviço desempenhado pelo menino poderia lhe causar
deformações na extremidade superior do osso do fêmur, localizado no interior da
coxa, ao ponto de até provocar um defeito ortopédico que na medicina é
conhecido como “coxa vara”.
A iminência de acidentes no ambiente de trabalho no
caso de crianças e adolescentes é maior, conforme explica a coordenadora do
Cerest. As atividades na pedreira, além disso, poderiam oferecer riscos aos sistemas
respiratório e cardíaco do garoto. “O coração do menino poderia não aguentar o
esforço, já que ainda está em fase de desenvolvimento”, afirma. A ausência de
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), situação a que todas as vítimas
resgatadas na pedreira estavam submetidas, seria um agravante para problemas de
respiração, devido à poeira provocada e aos resíduos tóxicos depreendidos da
extração mineral.
Danos ao sistema psíquico do menino também seriam
possíveis, por causa de traumas, estresse ou outras situações pelas quais o
garoto poderia passar enquanto estivesse precocemente em um ambiente da vida adulta.
“A exposição excessiva, e em horário inapropriado, ao sol também pode causar
problemas de pele a crianças e adolescentes expostos a atividades em ambientes
abertos”, acrescenta Ana Maria Mezzomo.
O serviço de extração de pedras está incluído na
lista de piores formas de trabalho infantil (Lista TIP), reconhecida em 2008
pelo Governo Federal. Entre alguns dos problemas de saúdes decorrentes desse
tipo de atividade, a Lista TIP indica “queimaduras na pele”, “doenças
respiratórias”, “lesões e deformidades osteomusculares” e “comprometimento do
desenvolvimento psicomotor”.
Fiscalização
De acordo com o auditor fiscal do MTE, Vanius João Corte, o pai de João Júlio
chegou a trabalhar, em um momento anterior, na mesma pedreira em que o menino
foi resgatado. No momento do recebimento das verbas rescisórias, ele compareceu
com o garoto, que, segundo a fiscalização, não aparentava problemas de saúde. O
agente trabalhista diz que, neste ano, foram flagrados outros dois casos de
trabalho infantil nos entornos de Caxias do Sul, maior município próximo a
Antônio Prado. “É comum o emprego de crianças e adolescentes na região. E a
atividade mineral é forte devido ao solo rico em basalto”, comenta.
Na pedreira, o adolescente e os outros nove
resgatados de condições análogas às de escravo desempenhavam as atividades sem
registro em carteira de trabalho. O empregador no local também não fornecia ao
grupo de trabalhadores escravizados as ferramentas para o serviço nem
alojamento adequado, instalações sanitárias ou ambiente para preparar e
consumir refeições. Por não apresentarem condições mínimas de segurança, as
instalações foram interditadas. Ao fim do processo de fiscalização, todos os
trabalhadores retornaram a suas casas, custeados pelo empresa responsável pelo
caso, a Mineração Zulian.
A reportagem não conseguiu contato com o jovem,
algum parente dele ou seu empregador para comentar o caso.
Fonte: Pró-Menino
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