Antonio Carlos Gomes da Costa * - Fotografado por Gastão Guedes.
Até a Constituição de 5 de outubro de 1988, a Assistência Social não estava ainda consolidada como uma política pública no sentido moderno do termo, isto é, algo reconhecido pela Carta Magna como um direito de cidadania e, portanto, um dever do Estado. Um grande avanço foi a introdução na nova Carta Magna do conceito de Seguridade Social, que passou a abranger a Saúde, a Previdência e a Assistência Social.
Após a instalação do Congresso Constituinte, numerosos grupos e
movimentos sociais se organizaram, buscando fazer chegar à Assembléia Nacional os pleitos de suas bases, que eram variados e amplos: mulheres, negros, índios, trabalhadores sem terra, portadores de necessidades especiais, idosos e vários outros. O curioso é que havia assistentes sociais participando na maioria dessas frentes de lutas específicas. Porém, tendo atuado direta e assiduamente nesse processo, não me recordo da existência de Emenda de Iniciativa Popular ou de um lobby específico para trabalhar e lutar pela institucionalização da Política de Assistência Social no Brasil.
Isso significa que, antes da Constituição de 1988, não existia a atividade de assistência social no Brasil? Claro que não. As práticas assistenciais existem no Brasil desde os primórdios da nossa colonização. Durante os primeiros 400 anos de nossa evolução histórica, as Santa Casas de Misericórdia foram a principal instituição social em funcionamento no país. Suas funções, além de cuidar dos doentes, abrangeram também a atenção aos órfãos, aos idosos, às viúvas empobrecidas e a vários outros casos de pessoas desvalidas (desamparadas) encontradas na sociedade de então. Eram famosas as Rodas de Enjeitados que acolhiam de forma anônima crianças cujos pais não podiam ou não queriam assumir.
As Santa Casas eram operadas no dia-a-dia por ordens e congregações ligadas à Igreja Católica e mantidas por Mesas Diretoras constituídas pelas pessoas de condição econômica, social e política de maior relevo nas sociedades locais. Além das Santa Casas, existiam também um número considerável de orfanatos, patronatos, asilos e outros tipos de entidades prestadoras de serviços, que hoje poderiam ser chamadas de assistenciais. Ao longo do Primeiro e Segundo Impérios essa realidade não conheceu alterações significativas.
Na chamada República Velha (1889-1930) este quadro, embora tenha conhecido alguns avanços em termos de participação do Estado em iniciativas dessa natureza, as mudanças registradas não tiveram maior expressão, a não ser na Saúde e no Urbanismo. Somente a partir da Revolução de 1930 o Brasil, por meio de mudanças no panorama legal e da criação de novas institucionalidades, vai iniciar a construção do que podemos chamar de ramo social do Estado.
O Primeiro Governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945), em suas várias etapas (Governo Provisório, Governo Constitucional e Estado Novo), conheceu avanços e retrocessos nos planos político e institucional. No entanto, no que se refere à questão social, vários e importantes avanços foram registrados nos campos da: Legislação Trabalhista, Previdenciária e Eleitoral (voto universal e secreto estendido às mulheres), expansão dos serviços públicos de Saúde, de Educação e, também, os de Assistência social (criação da LBA, da Casa do Pequeno Jornaleiro, da Casa das Meninas, do Abrigo Cristo Redentor para Idosos, da Lei de Defesa da Economia Popular e vários outros nessa linha).
Após a Constituição de 1946, as conquistas sociais do Governo Vargas não recuaram e seguiram conhecendo alguns avanços. O principal deles foi certamente a criação do 13º salário e o início das lutas pelas Reformas de Base (Reformas Agrária, Urbana, Universitária e outras), que vão marcar o Governo do presidente João Goulart por uma série de conflitos políticos e convulsões sociais, que culminarão com a sua derrubada pelo Golpe Militar de 31 de março de 1964.
O Regime Militar (1964-1985) vai substituir a estabilidade no emprego da CLT pelo FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço), criação do BNH (Banco Nacional de Habitação), criação do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), da FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor e suas congêneres estaduais, as FEBEMs), ampliará as atividades da LBA, instituirá o PIS/PASEP (Programa de Integração Social), ampliará o direito à aposentadoria aos trabalhadores do campo por meio do FUNRURAL e várias outras iniciativas na linha de políticas sociais voltadas para o binômio Desenvolvimento com Segurança, ou seja, a política social a serviço do crescimento da economia e do reforço da Segurança Nacional.
A Constituição de 1988 vai iniciar o processo, que ainda se estende até os dias de hoje, de reconstrução democrática da vida nacional. No enfrentamento das desigualdades intoleráveis, seu grande objetivo é a criação de um Estado Social de Direito, o que, não se pode negar, vem ocorrendo ao longo das últimas duas décadas, conhecendo avanços dignos de registro neste primeiro decênio do Século XXI.
O conteúdo do Capítulo II (Da Seguridade Social), em sua Seção IV, trata da Assistência Social. É importante registrar que seus dois únicos artigos (203 e 204) foram integralmente extraídos do texto da Emenda Popular Criança Prioridade Nacional:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Posteriormente (19/12/2009), a Emenda Constitucional Nº 42 acrescentou ao Art. 204 o seguinte Parágrafo único:
Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.
Finalmente, em 7 de dezembro de 1993, o presidente Itamar Franco sancionou a Lei Nº 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS). Trata-se de uma legislação com uma grande área de convergência e intercomplementaridade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, como veremos na sequencia de artigos sobre esse tema, que o Portal Pró-Menino publicará neste primeiro semestre de 2010. Conhecer a estrutura e o funcionamento da Política de Assistência Social é parte imprescindível do processo de construção das redes locais de atendimento aos direitos da população infanto-juvenil brasileira.
*Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da comissão de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Fonte: http://www.promenino.org.br/
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