Sem
orçamento e participação popular, direitos de
crianças e adolescentes continuarão apenas no papel

As políticas públicas definem o
modo como viveremos e como nossas crianças crescerão. Deste maneira,
elas não podem ser elaboradas apenas pelos gestores, sem a participação
da sociedade e sem diálogo. Apenas a existência do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) não pode garantir a transformação da realidade das
crianças e adolescentes do nosso país. Suas previsões precisam sair do
papel, se tornarem realidade. E sem previsão orçamentária, isso nunca
acontecerá. Estes foram alguns dos pontos comuns abordados na manhã de
ontem, dia 28, pelo procurador-geral de Justiça Wellington César Lima e
Silva, pelo reitor da Universidade Estadual do Sudoeste (Uesb), Paulo
Roberto Pinto Santos, e pelo promotor de Justiça Millen Castro durante a
abertura do 'I Ciclo Preparatório para os 21 Anos do ECA: Lugar de
Criança é no Orçamento', em Vitória da Conquista.

“Poderíamos sintetizar o
significado desse encontro em três palavras: participação, protagonismo e
orçamento”, disse o chefe do Ministério Público baiano ao abrir o
evento. Segundo ele, a participação popular é o que dá substancialidade a
uma democracia, que a torna real e não apenas um simulacro de
democracia. “Vivemos numa quadra de muita perplexidade no país no que
diz respeito à qualidade da nossa representação política. E a única
forma de produzirmos um salto qualitativo nesse domínio não é com uma
atitude simplificadora, nem tampouco com a atitude de abdicar de
participar da cena”, ressaltou o procurador-geral de Justiça, afirmando
que a atividade política é uma necessidade do viver em sociedade, por
isso as pessoas devem despir-se de preconceitos e serem motivadas à
aproximar-se do fenômeno político, cobrando as necessárias políticas
públicas.

“Alguns ideais reclamam mais que
participar; é preciso protagonizar. E o papel do Ministério Público é
este que está sendo exercido aqui (nesse evento). O MP não pode ser
tutor da sociedade e nem deve pretender sê-lo. Ele deve estimular que a
sociedade se organize cada vez mais e melhor. Este é o papel do
Ministério Público: entronizar a sociedade no debate das principais
questões da cidadania”, salientou Wellington César. Ainda de acordo com o
PGJ, o ECA é um dos diplomas legais mais avançados do mundo, mas “de
nada adianta ter uma boa lei se não tivermos vontade política e
condições materiais de implementá-la totalmente”. Segundo ele, a
existência de um marco legal como o ECA é apenas um ponto de partida. O
ponto de chegada é a efetivação desses direitos, “que somente se
viabilizará na medida em que tivermos as condições

materiais necessárias. Por isso é
fundamental que exista a previsão orçamentária”. E, para que isso
ocorra, é preciso que as pessoas que trabalham nessa área estejam
familiarizadas com o tema, afirmou o procurador-geral de Justiça. “A
importância prática desse evento é essa: consolidar uma reflexão com uma
ação”, concluiu.
Esse “papel de articulador social”, acrescentou o promotor de Justiça
Millen Castro, foi conferido ao Ministério Público pela Constituição
Federal de 1988. E, segundo ele, esse papel deve ser ainda mais incisivo
na área da infância e juventude. Por isso, explicou, “este evento não é
de capacitação, mas de convocação, articulação e sensibilização. A
ideia é que todos saiam daqui instigados a estudarem e a trabalharem com
a questão do orçamento”, disse o coordenador do Núcleo de Apoio para
Implantação, Estruturação e Fortalecimento dos Conselhos de

Direitos, Tutelares e Fundos
Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Naic). O promotor
de Justiça lamentou a ausência de prefeitos e vereadores no evento – que
conta com cerca de 400 pessoas – e afirmou que é preciso “quebrar a
caixa preta do orçamento”. “Eu gostaria de ouvir porque os prefeitos e
vereadores não estabelecem, no orçamento, a prioridade absoluta para a
infância e juventude”, frisou Millen Castro. “E a resposta é: porque não
houve provocação da sociedade”. Segundo ele, a participação popular
prevista na Constituição só vai-se efetivar quando realmente os
conselhos de direitos forem fóruns de discussão.
O promotor de Justiça informou, ainda, que o Naic está fazendo um
diagnóstico para saber como é a estrutura e como estão funcionando todos
os Conselhos Tutelares e de Direitos da Criança e do Adolescente
(CMDCAs) da Bahia, que dará uma dimensão de como é a atuação dos
municípios nessa área. Ele lamentou que muitos conselhos tutelares ainda
estejam utilizando o Ministério Público como “muletas”, não assumindo o
seu protagonismo no papel de defesa das crianças e adolescentes, e o
fato de que os CMDCAs não assumirem o papel de elaboração das políticas
públicas para a infância e juventude. Como resultado, explicou Millen,
na maioria dos municípios são os prefeitos e vereadores que definem,
sozinhos, essas políticas, “porque a sociedade ainda não assumiu o papel
de protagonista na sua elaboração”.
Também participaram da abertura do 'I Ciclo Preparatório para os 21 Anos
do ECA: Lugar de Criança é no Orçamento', o coordenador da Infância e
Juventude do Tribunal de Justiça, juiz Cláudio Daltro; o procurador do
Trabalho Marcos de Jesus; a secretária municipal de Assistência Social
de Vitória da Conquista, Nádia Márcia Campos; o presidente da Fundacem,
César Montes; o presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) em Vitória da Conquista, Guttenberg Macedo Júnior, dentre outros.

A primeira palestra do evento,
sobre 'Intervenção judicial sobre o orçamento público e a prioridade
absoluta na Infância e Juventude', foi feita pela procuradora do
Trabalho Rosângela Lacerda, e teve como debatedor o promotor de Justiça
da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, Marcos Coelho, e como
moderador o advogado do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da
Uesb, Michael Alencar Lima. Abrindo os debates sobre o tema, Marcos
Coelho chamou atenção para duas previsões constitucionais (do art. 204,
que trata das ações governamentais na área da assistência social) que
passam despercebidas de todos: a questão da descentralização
político-administrativa e a participação popular, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis.

Segundo o promotor de Justiça, a
Constituição Federal previu esta democracia participativa porque quis
assegurar que, cada vez mais, a sociedade civil seja protagonista nas
decisões sobre as políticas públicas. Mas, lamentou Marcos Coelho, há
uma má vontade da maioria dos participantes dos conselhos de direitos em
participarem das reuniões do CMDCA. “A política pública na área da
Infância e Juventude está sendo discutida ali naquele palco. Se a
sociedade não assumir o seu papel, o que vai ocorrer? O chefe do poder
político vai 'deitar e rolar', e tomara que ele seja uma pessoa séria.
Mas se ele fizer qualquer coisa errada, qual a moral que nós da
sociedade teremos para poder criticar se nós não participamos na
instância correta?”, protestou o promotor de Justiça, conclamando todos a
participarem ativamente desses conselhos, até para legitimar a atuação
do Ministério Público

. “Se vocês não ocuparem os
Conselhos e acharem que eles são coisa muito séria e continuarem se
omitindo no seu município, nada vai mudar. Vocês podem participar de
dezenas de ciclos, ouvir dezenas de palestras, mas nada vai mudar!”,
concluiu.
O evento continua durante todo o dia de hoje. Outros ciclos
preparatórios estão previstos para acontecer em Salvador (dias 19 e 20
de maio), Ilhéus (6 e 7 de junho) e Feira de Santana (11 e 12 de julho).
Nos dias 26 e 27 de setembro, no Centro de Convenções da Bahia, será
realizado o 'Congresso ECA 21 anos - Sistema de Justiça e Conselhos pelo
Desafio da Prioridade Absoluta'.
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