Esta
história pode representar tantas outras que acontecem diariamente em nosso
país. Em 1916, em brejo de Areias no sertão do Estado da Paraíba, uma menina com
mais 11 irmãos e irmãs, tentou, como uma parcela significativa dos chamados nordestinos,
sobreviver. Viveu na casa do seu avô em um pequeno sítio de propriedade da
família onde lá experimentou o aconchego e a dura vida do campo.
Na
pobreza da região nordeste do Brasil, sobejamente conhecida, nesse pequeno
sítio, tudo era partilhado com muita dificuldade, mas também havia a felicidade
e o carinho como tem sido em muitas famílias que lutam para sustentar e educar
seus filhos neste imenso país.
A
menina começou desde cedo, como milhares de crianças e adolescentes, a ajudar
nos trabalhos domésticos e assim foi ganhando experiência. Aos doze anos de
idade, para ajudar no sustento e na sobrevivência da família, começou a
trabalhar na casa de um professor universitário. Lá aprendeu o que significava
estar longe do seu lar, de sua família. Lá, teve sua primeira experiência de
vida e as siladas que o coração permite sobre a necessidade do afeto: sua
primeira experiência amorosa e dois filhos não reconhecidos.
Não
podendo criar esses filhos, seu pai e sua mãe acharam por bem assumir a
paternidade e a criação dos mesmos. E, na inquietude da juventude, como toda
jovem mulher em busca da felicidade, nas voltas que a vida dá, apaixonou-se mais
uma vez e resolveu, como muitos nordestinos, ir para São Paulo, a terra prometida,
onde tudo parecia ser mais fácil: mais opções, mais empregos.
Seguiu
em um caminhão pau-de-arara e chegou a tão falada cidade. Como era grande! Quanto
movimento, quantas luzes, quanta agitação! Lá teve mais três filhos e enfrentou
várias dificuldades e muitas humilhações. Na terra prometida lhe faltava tudo: um
lugar para morar, emprego, comida, afeto, o cheiro da terra querida, a sua
cultura. Restava a saudade da família distante.
Mesmo
assim acreditava que tudo iria mudar. Um dia, sem muitas explicações, o seu companheiro
foi embora, deixando-a para trás, sozinha com três crianças, sem família, sem
emprego e sem ter onde morar.
A
vontade era a de voltar para o nordeste, para a sua família, para a sua terra.
Mas como? O que iria dizer? Como poderia explicar? Como iria sobreviver por lá agora
tinha mais três crianças? Nesse momento, acreditando que existia um Ser superior
que, com certeza, poderia ajudar, resolveu permanecer em São Paulo e enfrentar
o que viesse.
Conseguiu,
assim, uma oportunidade de emprego como empregada doméstica. Mas a patroa foi
logo dizendo que precisaria dormir no emprego e que as crianças, ali, não
poderiam ficar. Mas quem poderia cuidar das suas crianças enquanto ela cuidava
das crianças dos outros?
A
patroa ofereceu, então, como ajuda, a indicação de um colégio interno no
interior do Estado de São Paulo, distante 500 km da capital, onde poderia
deixar as crianças. Nesta época estava em pleno funcionamento a Política
Nacional do Bem Estar do Menor, representada pela FUNABEM e FEBEMs nos vários Estados
brasileiros. Esta política, com o discurso de proteção ao “menor”, punia as
famílias pobres que, muitas vezes, não tinham condições de cuidar de suas
crianças. Pobres, as crianças eram então rotuladas como “abandonadas” e,
portanto, como medida de proteção, eram internadas em instituições públicas
e/ou subsidiadas pelo Estado.
Não
tendo outra opção, a jovem mãe teve que separar a família e encaminhou os dois
irmãos para uma instituição masculina e a irmã seguiu para outra cidade. Uma
vez por ano, a mãe buscava as crianças para passar as “férias” na capital onde
trabalhava. Ao deixá-las de volta na instituição, as prometia que um dia viria buscá-las
definitivamente.
E
trabalhou para isso: noite e dia, até que entendeu que poderia começar a morar
fora da casa do patrão. Mas, quando isso aconteceu, ligaram do colégio avisando
que as crianças não poderiam ficar mais lá. Essa foi a resposta da patroa.
No
quarto alugado de 12 metros quadrados com uma cama, um fogão, um pequeno guarda
roupas e um banheiro externo (para ser dividido com outras 10 famílias que
ocupavam quartos iguais) começou a reconstrução do seu lar.
Aos
doze anos seus filhos foram levados para morar junto com ela, porque já podiam
trabalhar. Depois do trabalho, quantas vezes eles ficavam aguardando a mãe também
chegar do emprego com a primeira refeição do dia, pois sabiam que ela traria
consigo a comida, que deveria ser o seu almoço no trabalho.
Mesmo
sem saber ler e escrever a mãe exigiu dos filhos que estudassem e um deles terminou
a graduação, o mestrado e chegou a “virar doutor”. Com o seu emprego de doméstica
(que não tinha direito a domingos, feriados e nem festas de fim de ano), a mãe
criou os três filhos e os salvou da morte, marginalidade e do abandono. E o
tempo foi passando... e através do trabalho precoce e exaustivo de todos, a
família superou a pobreza extrema.
Este
é o breve relato da história da minha mãe que não mais poderei beijar, abraçar,
dar carinho e agradecer por me permitir chegar até aqui, pois já partiu para
descansar dessa difícil jornada.
Aproveito
esta oportunidade, então, contanto a sua história, para homenageá-la e a todas
as mulheres, professoras da Candelária, Realengo, Vitória da Conquista, Bahia e
Brasil, a todas as mães que, com determinação e amor supremo conseguem, muitas
vezes sozinhas e sem a presença do homem que um dia amaram, criar os seus
filhos e filhas.
E,
àquele(a)s que ainda têm a oportunidade de conviver com o aconchego de sua mãe (biológica
ou de criação), que não percam a oportunidade de agradecê-la, amá-la,
respeitá-la e fazê-la muito feliz. Pois não basta dizer que as amam, é preciso
demonstrar, é preciso que elas sintam-se amadas!
Agradeço
a Deus por minha mãe ALICE e desejo a todas as mulheres/mães um FELIZ DIA DAS
MÃES.
*Reginaldo
de Souza Silva
– Doutor em Educação Brasileira, professor do Departamento de Filosofia e
Ciências Humanas da UESB. Email: reginaldoprof@yahoo.com.br.
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