Inesc
Instituto de Estudos Socioeconômicos -
CNPJ 00580159/0001-22
Adital
Assessora do
Inesc afirma que ainda há um caminho logo para ser trilhado em relação à
conquista da garantia universal dos direitos das crianças e dos
adolescentes
Na
sexta-feira, 13, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa
22 anos.
Entrevista realizada com Márcia Acioli*, assessora política do Inesc e
responsável pelo projeto "Onda: adolescentes em movimento pelos
direitos”,
revela que ainda há um caminho logo para ser trilhado em relação à
conquista da
garantia universal dos direitos das crianças e dos adolescentes. A
especialista
aponta que o ECA ainda é mal interpretado pela sociedade e que a mídia
precisa
ter uma postura mais ética quando abordar questões sobre adolescentes em
conflito com a lei. Márcia aponta como desafio a garantia de que "as
políticas
públicas sejam elaboradas de forma articulada e que os respectivos
orçamentos
se cumpram adequadamente”. Por fim, ela garante que educação é um
direito
estratégico para a garantir igualdade para todos as crianças e
adolescentes.
Inesc: O ECA
foi um avanço para a defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes, no
entanto, você acredita que a lei realmente acrescentou um olhar inovador
nas
políticas públicas?
Márcia: Ainda não conseguimos
trazer o espírito do ECA
para os corações de todos/as brasileiros/as. Nem o poder público, nem a
população, muito menos os próprios sujeitos de direitos (as crianças e
os
adolescentes) incorporaram o ECA na íntegra em seus modos de ver o mundo
e em
suas práticas. As políticas públicas aos poucos, em velocidade muito
lenta, são
elaboradas à luz do ECA e têm suas gestões orientadas pelos princípios
da lei.
A sociedade, alimentada por uma mídia conservadora baseada na cultura
menorista
– fundamentada no antigo Código de Menores – , não compreende o
significado
mais revolucionário da "nova lei". E, o mais preocupante é que, os/as
adolescentes, sem conhecer os direitos não têm a percepção política para
a sua
exigência e a sua conquista.
Inesc: Qual
é o principal desafio em relação à elaboração de políticas públicas que
sigam
os preceitos estipulado pelo ECA?
Márcia: Um desafio permanente
é atenção a todos os
direitos simultaneamente. O que defendemos na formação que fazemos com
adolescentes é que o artigo 4º do ECA se cumpra garantindo o que
chamamos de
proteção integral e prioridade absoluta. Ou seja, todos os direitos
devem se
cumprir, uma vez que um direito chama o outro, e a ausência de um
direito
significa ameaça ao outro. Sem saúde, por exemplo, não é possível se
vislumbrar
uma educação perfeita e sem lazer a criança é privada do seu pleno
desenvolvimento.
Outro
desafio é garantir que as políticas públicas sejam elaboradas de forma
articulada e que os respectivos orçamentos se cumpram adequadamente. Ao
analisar os orçamentos municipais, e mesmo o nacional, observamos uma
lentidão
na execução e muito contingenciamento dos recursos para as áreas
referentes à
realização dos direitos.
E, por fim,
damos destaque ao desafio de se garantir que todo o Brasil assegure a
lei se
cumpra igualmente de norte a sul. Há ainda muitas regiões mais
vulneráveis e
populações mais violentadas. Crianças indígenas, quilombolas e meninos e
meninas de rua são especialmente afetadas pelas desigualdades sociais e
pela
violência.
Inesc:
Depois de 22 anos do ECA, boa parte da sociedade ainda acredita que essa
legislação é paternalista. O que você diria para essas pessoas?
Márcia: O ECA definitivamente
não é paternalista. Quem diz
isso não conhece a lei. O que este marco jurídico defende é condições
básicas
para a vida e o crescimento de todas as crianças e de todos os
adolescentes em
condições dignas e igualitárias. Um dos méritos do ECA é que ele traz
para o
mesmo barco meninos e meninas de todas as realidades, assegurando uma
abordagem
igualitária e plena. Todos/as são sujeitos de direitos e devem viver a
infância
como crianças, sendo protegidos/as e tendo seus direitos garantidos com
igual
acesso à educação, ao esporte, à cultura e ao lazer, por exemplo.
Todos os
pedagogos sabem que brincar é uma das atividades mais importantes da
infância;
no entanto, há muitas pessoas que consideram melhor trabalhar do que
ficar na
rua. Este discurso só contribui para acentuar as desigualdades. Quanto
aos
adolescentes em conflito com a lei, o ECA defende uma abordagem
pedagógica que
permita que os meninos e as meninas que cumprem uma medida
sócioeducativa
revejam suas vidas e elaborem novos modos de relacionamento com a
sociedade.
Esta perspectiva se dá por meio de bons projetos pedagógicos.
O que temos
questionado o tempo todo é qual é a eficiência do Estado para realizar
estes
direitos? O que mudou? A lei não é inadequada, as políticas públicas é
que são
ineficientes e não a realizam. Sabemos que havendo proteção integral
para todas
as crianças e adolescentes, desde o nascimento, as mudanças no panorama
social
são imediatas.
Inesc: O
projeto Onda desenvolve um trabalho com adolescentes do Centro de
Atendimento
Juvenil Especializado (CAJE) do DF. . Para você, qual a importância de
realizar
ações com esses meninos e meninas?
Márcia: Meninos e meninas em
conflito com a lei são
pessoas que seguramente vivenciaram inúmeras situações de falta de
direitos.
Todos os que estão lá experimentaram uma intensa violência na própria
vida e/ou
não tiveram acesso aos direitos. Mesmo os raros filhos das classes
privilegiadas que estão internos tiveram a ausência crônica dos pais,
habitaram
em lares violentos, ou mesmo foram negligenciados. A linguagem da
violência
tornou-se para a maioria a via mais importante de contato com a
sociedade. Para
nós, é significante promover reflexões, desenvolver a prática do diálogo
e,fundamentalmente, trazer a lógica dos direitos para o cotidiano; ou
seja,
queremos que meninos e meninas que nutriram-se de contextos de violência
consigam compreender as circunstâncias que viveram e elaborar para eles
mesmos
novas formas de contato com a sociedade. Esperamos que esses
adolescentes
compreendam a dimensão da reciprocidade dos direitos e observem que a
dignidade
e o respeito, por exemplo, devem ser garantidos na mesma medida para
eles
mesmos epara os outros.
Inesc: A
mídia retrata o jovem em conflito com a lei de uma forma que influencia a
sociedade a criar um estereótipo de que esses adolescentes são bandidos e
de
que a idade penal deve ser rebaixada. O que é necessário fazer para
desconstruir essa imagem disseminada pela mídia?
Márcia: Discutimos isto
recentemente no "Seminário Direitos
em Pauta”, promovido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(ANDI).
A mídia, em grande medida, é responsável pela formação da opinião
pública,
portanto somente a mídia pode fazer frente aos estragos que ela mesma
tem
promovido. O que quero dizer com isso é que precisamos de novas
abordagens que
de fato contribuam para que o tema, que é complexo, seja tratado de
forma
ética. Há uma nítida tendência a se "espetacularizar" a violência
praticada por adolescentes dando uma falsa ideia de que eles são autores
da
maior parte da violência cometida no país.
Inesc: Todos
os anos vemos especialistas fazendo um balanço do ECA com seus pontos
positivos
e negativos. Gostaríamos de ir mais além e saber o que é preciso mudar
para que
realmente a criança e o adolescente brasileiro garanta a universalidade
dos
seus direitos?
Márcia: Sabemos que todos os
direitos são igualmente
importantes, mas obviamente o direito à educação é o mais estratégico.
Quando a
educação de qualidade for de fato prioridade no país, quando efetivarmos
o
aumento dos investimentos na educação pública, teremos um país mais
igualitário
e mais digno para todas as crianças e adolescentes.
[*Márcia
Hora Acioli é especialista em
Violência Doméstica Contra Crianças e
Adolescentes, LACRI, pelo Instituto de Psicologia da USP e mestre em
Antropologia aplicada à educação, pela Faculdade de Educação, da
Universidade
de Brasília (UnB). Já participou e coordenou vários eventos relacionados
aos
Direitos da Criança e do Adolescente, Direitos Humanos, Protagonismo,
Educação
Popular e Arte-Educação. É responsável pelo projeto "Onda: adolescente
em
movimento pelos direitos"].
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