Em defesa da menina barbaramente assassinada,
jornalista José Louzeiro pede a reabertura do processo e denuncia “os
intocáveis” de Vitória (ES)
Cecília Luedeman,
de São Paulo (SP)
Capa do livro Aracelli, meu amor, de José Louzeiro - Foto: Reprodução |
Aracelli
Cabrera Crespo, símbolo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, tem o seu nome manchado de
sangue há 40 anos pela impunidade no Brasil.
Aos
8 anos de idade, em 18 de maio de 1973, a menina Aracelli foi estuprada
e assassinada a dentadas pelos filhos da elite de Vitória (ES), Dante
Michelini Jr. e Paulo Helal, mas, julgados foram absolvidos, protegidos
pela polícia, Justiça, militares e governantes durante a ditadura.
Em
2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, o dia do assassinato de
Araceli se transformou em símbolo do combate ao abuso e exploração
sexual de crianças e adolescentes, mas os assassinos continuaram
impunes. Até hoje. Aos 80 anos, o jornalista José Louzeiro, autor do
romance reportagem Aracelli, meu amor, censurado na época pelo
governo militar, denuncia os “intocáveis” de Vitória e se mantém fiel
aos oprimidos, na reportagem, na literatura e na vida.
Brasil de Fato – O que significam esses 40 anos de impunidade no caso Araceli?
José Louzeiro – É, rico não vai preso.
Em seu livro Aracelli, meu amor,
relançado neste ano, você explica que Dante Michelini Jr., o Dantinho, e
Paulo Helal, o Paulinho, assassinaram Araceli, em uma festinha violenta
do pessoal da motoca. As famílias Helal e Michelini eram traficantes de
drogas?
Sim, elas eram donas do tráfico, da polícia, dos ônibus, dos aviões, do campo, da cidade, tudo.
Como você conseguiu fazer uma investigação tão minuciosa, chegando a tantas fontes para a elucidação do caso Araceli?
Eu
passei uns dois anos colhendo material, devo ter ido umas 50 vezes
escondido para Vitória. Eu fiz essa investigação com a ajuda do perito
Asdrúbal de Lima Cabral, o Dudu, o repórter Jorge Elias, do jornal
Última Hora e a fotógrafa, Ednalva Tavares, minha mulher na época.
Ao
invés de ouvir as fontes oficiais, você procurou ouvir as pessoas do
povo, nas ruas, na periferia de Vitória, na barbearia, na mercearia, no
bar, porque eles tinham as informações que a polícia e os militares
escondiam?
Eu nunca acreditei nas fontes oficiais. Sempre desconfiei. Eu ouvia todos nas ruas, porque eles sabiam o que estava acontecendo.
Você ouviu a cozinheira, a enfermeira, o motorista, a prostituta...
É, o funcionário do bar onde a menina foi metida na geladeira...
Você foi descobrindo as testemunhas silenciadas, como a namorada do Jorge Helal, a Marislei, e o motorista?
Sim,
mas depois eles foram matando as testemunhas, como o Homero Dias, que
trabalhava no serviço secreto da Polícia Militar, enviado para
investigar o assassinato, e mataram também a namorada do Homero, que não
tinha nada a ver com a história.
Então,
mesmo sob a perseguição dos Michelini e Helal, você conseguiu as fontes
para reconstituir o crime e apontar os assassinos, em Aracelli, meu amor?
O
livro – eu tenho muito orgulho disso – é uma reportagem. Eu sempre tive
a necessidade, não sei por quê, de me comprometer com a verdade, doa a
quem doer, até a mim mesmo. Porque até perdi o emprego por causa disso.
Então, cheguei aqui, nos primeiros 80 anos e no que puder ajudar para a
memória de Araceli, pode contar comigo. Agora, eu vou lutar muito e peço
a ajuda de vocês para fazermos o longa-metragem sobre o caso Aracelli e
gostaria que fosse com o diretor Sérgio Rezende.
Na
opinião do jurista Hélio Bicudo, embora já prescrito, o processo do
caso Araceli poderia ser reaberto como crime hediondo. Você concorda com
Bicudo?
Sim. Eu me coloco à disposição
para dizer o que for possível em defesa dessa menina que passou por nós e
foi tão cruelmente sacrificada. Ela foi morta a dentadas, por cachorros
com formato de ser humano.
O
governo Dilma deveria exigir a punição dos assassinos da brasileirinha
símbolo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes?
Eu acho que o
poder fez a nossa presidenta esquecer as torturas que ela sofreu. Eu
imagino o que ela sofreu. Porque o lema da casa era o seguinte: entram
agoniando e saem agoniados, num caixão, nem caixão...
Então,
a justiça para a menina Araceli envolve a coragem de mexer no passado
da ditadura, coisa que a Comissão da Verdade ainda não conseguiu?
Nós vivemos num país que tem dois donos: os ricos e os milicos.
Fonte: Brasil de Fato
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