Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Os abrigos que acolhem crianças e adolescentes no país estão
cheios, mas ainda assim famílias esperam anos na fila para adotar um
filho. A demora
nos processos de destituição do poder familiar, em que os pais perdem a
guarda e a criança pode ser encaminhada à adoção, explica em parte esse
fenômeno. Outro motivo é a discrepância entre o perfil das crianças
disponíveis e as expectativas das famílias.
A maior parte dos pretendentes procura crianças pequenas, da cor
branca e sem irmãos. Dos 28 mil candidatos a pais incluídos no Cadastro
Nacional de Adoção, 35,2% aceitam apenas crianças brancas e 58,7% buscam
alguma com até 3 anos. Enquanto isso, nas instituições de acolhimento,
mais de 75% dos 5 mil abrigados têm entre 10 e 17 anos, faixa etária que
apenas 1,31% dos candidatos está disposto a aceitar.
Quase mil crianças e adolescentes já foram adotados por meio do
cadastro, criado em 2008. Antes da ferramenta, que é administrada pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as unidades federativas tinham
bancos de dados próprios, o que dificultava a troca de informações e a
adoção interestadual.
Para o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau
Lupianhes Neto, é possível perceber uma mudança na postura das famílias
pretendentes, que têm flexibilizado o perfil buscado. A principal delas
diz respeito à faixa etária: antes a maioria aceitava apenas bebês, mas
hoje a adoção de crianças até 4 ou 5 anos de idade está mais fácil.
“A gente observa que isso tem mudado pelos próprios números do
cadastro, mas essa transformação não vai acontecer da noite para o dia
porque faz parte de uma cultura”, aponta o magistrado. Uma barreira
difícil de ser superada ainda é a adoção de irmãos. Apenas 18% aceitam
adotar irmãos e 35% dos meninos e meninas têm irmãos no cadastro. A lei
determina que, caso a criança ou adolescente tenha irmãos também
disponíveis para adoção, o grupo não deve ser separado. Os vínculos
fraternais só podem ser rompidos em casos excepcionais, que serão
avaliados pela Vara da Infância.
Outros fatores são entraves para que uma criança ou adolescente seja
adotado, entre eles a presença de algum tipo de deficiência física ou
doença grave, condição que atinge 22% dos incluídos no cadastro. Bianca*
tem 5 meses de idade e chegou com poucos dias de vida ao Lar da Criança
Padre Cícero, em Taguatinga, no Distrito Federal. A mãe, usuária de crack,
tentou fazer um aborto e Bianca ficou com sequelas em função das
agressões que sofreu ainda na barriga. Ela tem paralisia cerebral
parcial. Apesar da deficiência, é uma menina esperta, ativa e muito
carinhosa. Os médicos que acompanham o tratamento de Bianca no Hospital
Sarah, em Brasília, estão animados com a sua evolução, segundo a
assistente social Renata Cardoso. “Mas a gente sabe que no caso dela a
adoção vai ser difícil”, diz.
Aos 37 anos, Renata sabe muito bem como é a realidade das crianças
que vivem nos abrigos, mas têm poucas chances de ser adotada. Ela chegou
ao Lar da Criança Padre Cícero aos 7 anos de idade, com três irmãos.
Órfãos de mãe, eles não podiam morar com o pai, que era alcoólatra.
Houve uma tentativa de reintegração quando o pai se casou, mas ela e os
irmãos passaram poucos meses na casa da madrasta e logo retornaram para a
instituição. “Não deu certo”, lembra. Dois de seus irmãos saíram do
abrigo após completar 18 anos e formaram suas próprias famílias. Renata
quis continuar o trabalho de Maria da Glória Nascimento, a dona
Glorinha, diretora do lar. Ela nunca foi adotada oficialmente por
Glorinha, mas ela e os irmãos são tratados como se fossem filhos
biológicos.
“Com o tempo, a gente sentiu que ela ia cuidar da gente como filho.
Não tive vontade de ir embora, nunca vi aqui como um abrigo, sempre vi
como minha casa e ela [Glorinha] como minha mãe. Ela sempre ensinou que
nós iríamos crescer para cuidar dos menores e foi assim”, conta.
*O nome foi trocado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) // Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo
Fonte: Agência Brasil
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