Brasília – Aos 17 anos, Bruno* já perdeu as esperanças de ser adotado.
Sabe que o tempo é cruel com as crianças e os adolescentes que vivem em
abrigos: os pretendentes cadastrados para adoção preferem os mais novos,
até 4 anos de idade. A demora na tramitação dos processos, até que a
família biológica perca a guarda e a criança seja habilitada para
adoção, reduz as chances de acolhimento em um novo lar.
A Lei Nacional da Adoção, aprovada em 2009, fixou em dois anos o tempo
máximo de permanência da criança ou do adolescente em um abrigo. Mas, na
prática, a demora da Justiça para analisar e decidir cada situação faz
com que esse prazo seja extrapolado na maioria dos casos. Bruno não é
exceção. Muitos adolescentes ficam nas instituições de acolhimento até
os 18 anos, quando devem sair para construir as próprias vidas. A meta
de Bruno é trabalhar e montar sua casa para poder cuidar dos três irmãos
que vivem com ele na instituição Nosso Lar, que atualmente cuida de 42
crianças e adolescentes (apenas 16 aptos para adoção), no Núcleo
Bandeirante, no Distrito Federal.
Há mais de uma década na direção do Nosso Lar, Cláudia Vilhena avalia
que nos últimos anos a situação melhorou – os processos aos poucos estão
mais rápidos e há mais disposição das famílias para aceitar crianças
mais velhas. “A lei mudou e a coisa parece que está começando a tomar
jeito. Até ela completar 3 anos, a adoção é fácil. De 3 a 8 anos, a
chance é média, mas você ainda consegue sucesso. De 8 anos para cima,
começa a ser mais difícil. Eu espero que não aconteça com os meus
pequenos o que aconteceu com os mais velhos. Os maiores percebem que a
chance deles é pequena porque veem outras crianças chegando e saindo”,
diz a diretora da instituição.
Para o juiz José de Paiva, vice-presidente de Assuntos da Infância e
Juventude da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), a lei ainda
passa por um período de implantação e é natural que todos os envolvidos
nos processos – abrigos, varas da Infância, Ministério Público e
Defensoria Pública – estejam se adaptando. Ele acredita que em um ou
dois anos essas dificuldades sejam superadas. “Pode ser que, com o
passar do tempo, a gente sinta necessidade de fazer uma mudança [na Lei
da Adoção], mas, da forma como ela está hoje, já traz respostas que são
muito boas”, avalia.
A lei também estabeleceu que a cada seis meses a situação da criança que
vive em um abrigo precisa ser revisada. A instituição produz um
relatório sobre a condição das famílias e as tentativas de reintegração
com os pais biológicos, avós ou tios. A partir daí, indica se a criança
ou adolescente deverá ser encaminhado para adoção ou pode voltar para a
família de origem.
Mas nem sempre essa resposta é rápida. Mariana* foi encontrada na rua
por um casal, depois de ter sido abandonada pela mãe com poucos dias de
vida. Na sua certidão, constam apenas o primeiro nome e a data de
nascimento, que foi estimada porque ela ainda estava com o cordão
umbilical. A polícia investigou, mas não descobriu nada sobre os pais da
menina. O passado da bebê virou uma incógnita e, mesmo diante do total
desconhecimento sobre a família biológica, Mariana completou 6 meses e
ainda não seguiu para adoção. A menina permanece no Nosso Lar.
Paiva acredita que, com o passar dos anos, serão criadas
jurisprudências, e, com isso, o tempo de encaminhamento da criança para a
adoção – ou o retorno à família de origem – será abreviado. “Temos
consciência de que é preciso fazer pequenos ajustes nos procedimentos.
Quando o juiz percebe que o retorno à família é inviável, nós temos
agilizado. No caso de uma criança recém-nascida que é abandonada, os
juízes vão perceber que seis meses é muito tempo para procurar uma
família, dois meses são mais do que suficientes”, opina.
A falta de recursos humanos e físicos para o trabalho nas varas de
Infância e tribunais do país também atrapalha o andamento dos processos.
O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau Lupianhes
Neto avalia que a lei tem pontos importantes, como o estabelecimento de
prazos máximos de permanência nos abrigos. “Mas ainda falta um pouco de
estrutura humana e material. Existem dificuldades de toda ordem para se
cumprir os prazos, mas elas têm que ser superadas. A cada seis meses, a
corregedoria organiza audiências concentradas [uma espécie de mutirão]
para avaliar a situação dessas crianças que estão nas unidades de
acolhimento para ver quem já pode ser reintegrado”, destaca.
As diretoras do Nosso Lar, Cláudia Vilhena e Mariza Santana, falam com
carinho das crianças que já passaram pela instituição. As duas trabalham
para que a situação dos meninos e meninas que ainda permanecem no local
seja resolvida o mais rápido possível. Mesmo oferecendo todo amor e
cuidado aos acolhidos, as diretoras esperam que eles possam ser
inseridos em uma família – seja a biológica ou adotiva. “Aqui não é a
casa definitiva deles, é um espaço de transição. Minha esperança é que a
gente não tenha mais casos como o do Bruno, que chegou aqui bebê e vai
sair com 18 anos. Isso é muito cruel na vida de uma pessoa”, lamenta
Cláudia.
*Os nomes foram trocados em respeito ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA)
Fonte: Agência Brasil - 25/05/2012
Publicado em Pró-Menino
Nenhum comentário:
Postar um comentário