Nelson José de Castro Peixoto
Filósofo e Gestor Social de Aldeias
Infantis em Brasília – Conselheiro de Direitos da Criança e do
Adolescente do Distrito Federal
Em
época de crimes e desterro de colo, nesses tempos de revelação das adoções
irregulares, apressadas e às escondidas, justificadas pela pobreza e falta de
atenção à saúde e tratamento, sou chamado a lembrar de minha infância
circulando pelas casas grandes, encontrando meninos e meninas que vieram do
interior do Estado para serem "criados” longe de seus pais, de sua canoa, do
seu sítio e de seu "Pé de Laranja Lima”. Tudo em troca da "felicidade” da
cidade e perto do trabalho para se "tornar homem ou uma boa dona de casa”.
Lembranças que me assaltam e fazem pensar quando assisto as matérias do
repórter José Raimundo e de outros capazes de se compadecer com a situação de
tantas famílias privadas do poder constitucional de educar os filhos perto de
si, correndo o risco de perdê-los, apenas porque não sabem correr atrás de seus
direitos devido à penúria que vivem nesse Brasil de mil toadas e de interpretações
jurídicas, contraditórias e enroladas na compressão burocrática do ir e vir do
papel e da palavra do mais forte.
Para
quem leu Domingos de Abreu, (NO BICO DA CEGONHA, Histórias de Adoção e da
Adoção Internacional no Brasil, Relumé Dumará, 2002) chegam questionamentos
como forte ventania derrubando a ingenuidade sociológica e a interpretação dos
fatos pela vertente messiânica favorável às criancinhas infelizes perto de seus
pais empobrecidos e abandonados pelo Estado, porém felizes em condições na
terra e no coração de outros mundos. Encontramos rios de justificativas,
princípios negados, conjecturas e tramas hediondos que a na mídia escrita é
analisada pelo autor, sobretudo no farto material publicado nos jornais de
Santa Catarina. Deparamos com lagos de ausência familiar, espaços no coração
esvaziados de filhos que jamais foram esquecidos e/ou reencontrados. Crianças fantasmas
que retornam nos sonhos, nas crises e dificuldades da vida. Mães que se sentem
perseguidas e culpadas por não terem lutado até o fim ou se iludido pelas promessas
de felicidade no meio de ricos ou dos países abastados. "Longe daqui, mas
feliz” é o bordão que jamais se aquieta no coração das mães perdedoras, tema que
persegue seus delírios de gente arrependida, chorosa e revoltada. Será assim
também para aquelas mães desesperadas que deixam seus filhos na maternidade? E
o que fazem os grupos de apoio à adoção para garantir que essas crianças sejam
protegidas, cuidadas e desenvolvidas perto de sua mãe biológica? E se o
Ministério Público achar que esse desejo da mãe é sério, fruto do seu bem/mal
estar social e bem discernido?
Nesse
ínterim entre a reflexão e de ação do que podemos fazer, chega-me à memória
mitos vindos do horizonte luminoso da lembrança, de andanças e navegações por
outras bandas do mundo amazônico. Reencontro e reconto histórias como quem
monta uma paisagem da adoção no Brasil. Recordo de certa vez à beira do rio num
lugar chamado Curva do Bacabará, onde uma Castanheira Tombada, lá onde 3 rios
(Urucú, Aruan e Itanhuan) formam a bacia do lago de Coari, AM. Como peças
soltas e falas enigmáticas, no limiar da fantasia e da saudade dos netos, avós me
contaram a seguinte história dos antigos tempos dos patrões, ferozes e "caridosos
regatões” que transitavam naquela região.
A
Lenda do Lago de Tubá / Morte e Ressurreição de um povo ribeirinho:
Crianças
que "caíram no rio”, desaparecidas sem pistas porque "devoradas pela fera”.
Ribanceira solitária no final da tarde recebia as mães que vinham chorar seus
filhos perdidos e celebrar sua Páscoa, debaixo de uma castanheira encurvada que
bebia água pelas folhas, cujos ramos tocavam no rio e que nunca florira.
Contavam:
Um monstro, qual fera devorava as crianças, uma a uma que chegava até lá para
apreciar o movimento do rio e o rebojo da correnteza, o movimento dos regatões,
o compra-compra das mercadorias e a entrega da produção. Um velho índio ensinou:
"Olhem aquela castanheira, ela está erguida até o céu, enquanto aqui na terra
só sofrimento, morte e ausência de nossos filhos”. Através de um sonho, o índio
revelou e decifrou nas lágrimas das mães a profecia: "Mulheres reúnem-se,
deixem o cabelo crescer, façam um trançado forte e preparem-se para o combate;
amarrem o trançado no tronco da castanheira; na outra ponta alguém deve morrer,
porque ficará espetado numa estaca como peixe isca; mais sofrimento e o
ultimo...”, dizia o índio. "Este será o nosso menino salvador”. "Quando a fera
passar pode dar para ela comer”.
A
castanheira dobrou com a força do mostro dos rios, houve um estrondo, todas as
árvores por perto perderam as folhas e o bicho nunca mais voltou. A castanheira
floria a cada época de festa, as famílias cresceram e as crianças voltaram a
pular na água, brincar de mergulhar e fazer da canoinha sua bicicleta.
Está
lá, aquela castanheira como testemunho, livro aberto, notícia inesquecível,
sinal inequívoco de que o povo unido, jamais será vencido. Marca de que povo
bem informado não será enganado. Povo que se libertou e fez de sua Festa da
Páscoa o anúncio de vida nova.
Essa
lenda está posta, como as notícias que falam das adoções do Brasil e das
controvérsias defensivas e acusatórias. Estas não pertencem ao velho índio e
nem a quem contou ou recontou. Texto que perdeu seu autor e se fundiu no leitor
de hoje. "Quem tem ouvidos que ouçam, escutem e auscultem o coração das mães
que perderam seus filhos”!
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