Por vontade própria e com o apoio dos pais, crianças e adolescentes realizam trabalhos degradantes para poder comprar bens como celulares e videogames
Por Sabrina Duran, da Repórter Brasil
A necessidade de um prato de comida já não é o único motivo a forçar
crianças e adolescentes ao trabalho precoce e degradante. Na sociedade
do consumo exacerbado e da publicidade ostensiva, outros itens pesam nas
suas listas de urgências: celulares, tênis de marca e videogames são
alguns deles. A pressão social para a aquisição desses produtos é tão
grande que estes deixam de ser somente o bem conquistado e tornam-se os
próprios “aliciadores”.
“Eles veem os colegas com celular e procuram trabalho. Muitos jovens
são autônomos: compram computador, fazem cópias piratas de CDs e vão
vender na rua para ganhar R$ 300, R$ 400 por mês. Hoje não são somente
os pais que colocam os filhos para trabalhar. O consumismo atrai muita
criança e adolescente”, afirma Luiz Henrique Ramos Lopes, chefe da
Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE). De acordo com ele, desde a divulgação do Censo de 2010 é
possível perceber que o trabalho infantil no Brasil não está mais tão
ligado à pobreza ou miséria extrema.
Fotos: Divulgação/SRTE-PE |
No âmbito urbano, onde a pressão do consumo é generalizada, os
adolescentes são as “presas” mais fáceis para os empregadores. Além de
estarem mais expostos do que as crianças ao apelo das propagandas, são
os que mais trabalham nas cidades. “Os dados da PNAD [Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios] mostram que na faixa etária de 5 a 9 anos o
trabalho é muito mais rural do que urbano. De 10 a 14, o urbano começa a
se sobrepor. De 15 a 17 anos o trabalho infantil é proeminentemente
urbano”, informa Lopes.
Entre as atividades em que a exploração da mão de obra de crianças e
adolescentes é mais comum, segundo a fiscalização do MTE, estão feiras
livres, comércios ambulantes, borracharias, lava-jatos e oficinas
mecânicas. Todas essas atividades estão na lista de Piores Formas de
Trabalho Infantil (Lista TIP), aprovada como decreto federal em 2008 (veja a primeira parte da reportagem sobre a Lista TIP aqui).
A cidade e seus riscos
Paula Moreira Neves, auditora fiscal do MTE e coordenadora do
Projeto de Combate ao Trabalho Infantil em Pernambuco, confirma que o
consumismo, hoje, é um dos grandes desafios aos que combatem o trabalho
infantil, especialmente nas cidades. “Existem crianças e adolescentes
que são obrigados a trabalhar pela família ou são cooptados por
terceiros nas ruas, mas muitos trabalham porque querem comprar bens que
os pais não têm condições de lhes dar. Já que a maioria desses pais
começou a trabalhar na infância, eles permitem e até estimulam que seus
filhos façam o mesmo”, diz a auditora.
São
muitos e graves os riscos para as crianças que desempenham atividades
contidas na Lista TIP. No trabalho como vendedoras ambulantes nas ruas e
outros logradouros públicos, por exemplo, elas estão sujeitas a
violência, drogas, assédio sexual e tráfico de pessoas; e a exposição à
radiação solar, chuva, frio, acidentes de trânsito e atropelamento. Nas
borracharias, são submetidas a esforços físicos intensos e expostas a
produtos químicos, antioxidantes, plastificantes e calor. Na lida dos
lava-jatos, crianças e adolescentes estão em constante contato com
solventes, neurotóxicos, névoas ácidas e alcalinas. Já os que trabalham
como carregadores em feiras livres estão sujeitos a padecer de bursites,
tendinites, sinovites, escolioses, lordoses e outras doenças
músculo-esqueléticas decorrentes do intenso esforço físico. “Esses pais
[que estimulam os filhos a trabalhar] desconhecem os graves prejuízos
que o trabalho precoce ocasiona aos seus filhos, como a dificuldade de
aprender, a defasagem e a evasão escolar, os danos físicos ao corpo
ainda em desenvolvimento e os danos psicológicos”, alerta Paula.
Dificuldades de fiscalização
Em 2012, segundo a auditora, foram fiscalizadas feiras livres
em 65 municípios de Pernambuco, além das praias de Boa Viagem, no
Recife, e Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. Nos casos em que os
empregadores foram identificados, todos foram notificados e autuados. No
entanto, informa Paula, a maioria das crianças e adolescentes
encontrados naqueles locais trabalhava com os pais ou, embora prestasse
serviço a um terceiro, estava desacompanhada do empregador e não sabia
informar seu endereço.
Não conseguir identificar quem explora a mão de obra infantil nas
ruas e outros locais públicos é uma das grandes dificuldades dos fiscais
do MTE. Nas feiras livres de municípios do Rio Grande do Norte, a
auditora fiscal e coordenadora do Fórum Estadual de Erradicação do
Trabalho Infantil do estado, Marinalva Cardoso Dantas, relata a mesma
dificuldade de Paula. “Às vezes temos de inventar, dizer que não somos
do Ministério do Trabalho para poder conversar com as crianças, senão
elas correm, mentem para não dizer o nome dos pais.”
Para
Paula Neves, a utilização de praias e outros logradouros públicos para o
comércio deve ser regulamentada e fiscalizada pelo poder público
municipal a fim de prevenir e coibir o uso da mão de obra infantil.
“Condicionando, por exemplo, a autorização do uso do espaço público
pelos barraqueiros e ambulantes à não utilização de mão de obra
infantil”, sugere a auditora. Outras medidas importantes são a busca
dessas crianças em situação de trabalho e sua inclusão em programas
sociais e a realização de campanhas junto ao público em geral,
especialmente com usuários de praias e feiras livres. “Que a sociedade
pare de adquirir produtos e serviços das mãos de crianças e adolescentes
que trabalham sob sol escaldante, descalços, expostos a riscos e
diversos problemas de saúde decorrentes do trabalho precoce”, finaliza.
Fonte: Repórter Brasil
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