domingo, 13 de novembro de 2011

Modelo atual de políticas públicas não evita que jovens se tornem infratores, diz socióloga

Estudo realizado na cidade de São Paulo, que incluiu o acompanhamento de nove jovens em cumprimento de liberdade assistida, demonstra os desafios postos às atuais políticas públicas brasileiras voltadas para os adolescentes em conflito com a lei. A pesquisa da socióloga Liana de Paula, da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, revela que o Estado brasileiro tem focado seus investimentos na recuperação de jovens infratores, ao invés de criar mecanimos mais efetivos na garantia de seus direitos básicos, previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). “Com esta lógica, os jovens continuam vivenciando as mesmas tensões estruturais que levam uma parcela deles a se envolver com atos infracionais. É uma lógica que ataca apenas a supercífie do problema e tende a contribuir pouco para minimizar suas causas”, afirma.

De acordo com a socióloga, essa política pode ser incentivada por uma questão de maior visibilidade da contenção em relação à prevenção. “Há maior repercussão na opinião pública ao se investir em unidades de internação de jovens autores de ato infracional do que em políticas de garantia de direitos, cujos resultados só se tornam mais visíveis a médio e longo prazo”, exemplifica.


O estudo denominado Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo indica que o investimento preventivo melhoraria a qualidade de vida dos jovens e diminuiria, a médio prazo, a proporção de jovens que migram para o crime. “Escolas sucateadas ou mal equipadas, problemas de moradia e de saúde são alguns dos fatores que desestimulam os jovens e contribuem para sua exclusão tanto econômica quanto socialmente.”

Um destes exemplos foi obtido em um depoimento de um dos jovens acompanhados pela socióloga. Com 16 anos e cursando o 2º ano do ensino médio, o entrevistado relatou que tinha aulas de literatura sem livros e sem nenhuma leitura. “Isso nos faz pensar no que as escolas tem para oferecer, sobretudo no que se refere à possibilidade de imaginarem, sonharem e criarem algo diferente da realidade que eles vivem sem que lhes seja dado o acesso, por exemplo, ao universo literário”, questiona Liana.

Segundo a pesquisadora, a maior parte dos adolescentes autores de ato infracional acompanhados pela pesquisa apresentava defasagem escolar entre idade e série superior a dois anos, indicando que sofriam processos de exclusão na escola, como a repetência e a retenção. “Depois de cometer o ato infracional, o poder público impõe ao jovem que retorne à escola que o excluiu e que tem pouco significado para ele em termos de construção de conhecimento e aquisição de credenciais que lhe permitam acessar o mercado formal de trabalho.”

Política atual, um script

A proposta de inclusão de jovens autores de ato infracional na cidadania por meio da liberdade assistida teve suas primeiras experiências em meados da década de 1970, com a criação da Pastoral do Menor. O intuito da então pioneira liberdade assistida comunitária era estabeler vínculos do jovem com a sociedade por meio da promoção e garantia de seus direitos individuais e sociais.

Porém, a política atual trabalha de maneira engessada. “A garantia dos direitos dos jovens se apoia em esquemas formais de intervenção fundamentados nas relações familiares, na escola e na inserção no mercado de trabalho. Mas não se questiona quais são as dinâmicas dessas mesmas instituições que empurraram o jovem para fora delas e fizeram do envolvimento com atos infracionais uma possibilidade sedutora”, explica Liana. “A resposta da liberdade assistida leva os jovem a seguirem um mesmo ‘script’ prescrito na sentença judicial, o que pouco contribui para o efetivo exercício de sua cidadania, uma vez que seus direitos tornam-se deveres a serem cumpridos para que a medida seja concluída”, completa.

O estudo demonstra que o investimento é grande depois do ato infracional, mas pequeno no sistema de proteção da infância e juventude, o que poderia minimizar o direcionamento para o crime. “Cabe ao poder público garantir os direitos básicos do ECA, independentemente de o jovem ter ou não cometido algum ato infracional. Porém, a pesquisa revela que esse investimento tende a ocorrer somente após o cometimento do ato infracional”, salienta Liana. De acordo com o censo do IBGE de 2000, 0,16% dos 25 milhões de jovens brasileiros, entre 12 e 18 anos, cumpriam medidas socioeducativas.

A pesquisa, que também se fundamentou em documentos históricos e no estudo de outras políticas públicas para jovens autores de ato infracional, aponta que deve-se investir no Sistema de Garantia de Direitos como um todo.

Mais informações: email lianadepaula@uol.com.br

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