Estudo realizado na cidade de São Paulo, que incluiu o
acompanhamento de nove jovens em cumprimento de liberdade assistida,
demonstra os desafios postos às atuais políticas públicas brasileiras
voltadas para os adolescentes em conflito com a lei. A pesquisa da
socióloga Liana de Paula, da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP, revela que o Estado brasileiro tem focado seus
investimentos na recuperação de jovens infratores, ao invés de criar
mecanimos mais efetivos na garantia de seus direitos básicos, previstos
no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). “Com esta lógica, os jovens
continuam vivenciando as mesmas tensões estruturais que levam uma
parcela deles a se envolver com atos infracionais. É uma lógica que
ataca apenas a supercífie do problema e tende a contribuir pouco para
minimizar suas causas”, afirma.
De acordo com a socióloga, essa política pode ser incentivada por uma
questão de maior visibilidade da contenção em relação à prevenção. “Há
maior repercussão na opinião pública ao se investir em unidades de
internação de jovens autores de ato infracional do que em políticas de
garantia de direitos, cujos resultados só se tornam mais visíveis a
médio e longo prazo”, exemplifica.
O estudo denominado Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo
indica que o investimento preventivo melhoraria a qualidade de vida dos
jovens e diminuiria, a médio prazo, a proporção de jovens que migram
para o crime. “Escolas sucateadas ou mal equipadas, problemas de moradia
e de saúde são alguns dos fatores que desestimulam os jovens e
contribuem para sua exclusão tanto econômica quanto socialmente.”
Um destes exemplos foi obtido em um depoimento de um dos jovens
acompanhados pela socióloga. Com 16 anos e cursando o 2º ano do ensino
médio, o entrevistado relatou que tinha aulas de literatura sem livros e
sem nenhuma leitura. “Isso nos faz pensar no que as escolas tem para
oferecer, sobretudo no que se refere à possibilidade de imaginarem,
sonharem e criarem algo diferente da realidade que eles vivem sem que
lhes seja dado o acesso, por exemplo, ao universo literário”, questiona
Liana.
Segundo a pesquisadora, a maior parte dos adolescentes autores de ato
infracional acompanhados pela pesquisa apresentava defasagem escolar
entre idade e série superior a dois anos, indicando que sofriam
processos de exclusão na escola, como a repetência e a retenção. “Depois
de cometer o ato infracional, o poder público impõe ao jovem que
retorne à escola que o excluiu e que tem pouco significado para ele em
termos de construção de conhecimento e aquisição de credenciais que lhe
permitam acessar o mercado formal de trabalho.”
Política atual, um script
A proposta de inclusão de jovens autores de ato infracional na
cidadania por meio da liberdade assistida teve suas primeiras
experiências em meados da década de 1970, com a criação da Pastoral do
Menor. O intuito da então pioneira liberdade assistida comunitária era
estabeler vínculos do jovem com a sociedade por meio da promoção e
garantia de seus direitos individuais e sociais.
Porém, a política atual trabalha de maneira engessada. “A garantia
dos direitos dos jovens se apoia em esquemas formais de intervenção
fundamentados nas relações familiares, na escola e na inserção no
mercado de trabalho. Mas não se questiona quais são as dinâmicas dessas
mesmas instituições que empurraram o jovem para fora delas e fizeram do
envolvimento com atos infracionais uma possibilidade sedutora”, explica
Liana. “A resposta da liberdade assistida leva os jovem a seguirem um
mesmo ‘script’ prescrito na sentença judicial, o que pouco contribui
para o efetivo exercício de sua cidadania, uma vez que seus direitos
tornam-se deveres a serem cumpridos para que a medida seja concluída”,
completa.
O estudo demonstra que o investimento é grande depois do ato
infracional, mas pequeno no sistema de proteção da infância e juventude,
o que poderia minimizar o direcionamento para o crime. “Cabe ao poder
público garantir os direitos básicos do ECA, independentemente de o
jovem ter ou não cometido algum ato infracional. Porém, a pesquisa
revela que esse investimento tende a ocorrer somente após o cometimento
do ato infracional”, salienta Liana. De acordo com o censo do IBGE de
2000, 0,16% dos 25 milhões de jovens brasileiros, entre 12 e 18 anos,
cumpriam medidas socioeducativas.
A pesquisa, que também se fundamentou em documentos históricos e no
estudo de outras políticas públicas para jovens autores de ato
infracional, aponta que deve-se investir no Sistema de Garantia de
Direitos como um todo.
Mais informações: email lianadepaula@uol.com.br
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