Dados do Ministério Público da Bahia (MP-BA) indicam que cerca de 30%
das 935 denúncias repassadas, entre janeiro e julho deste ano, pela
Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), do governo federal, por
meio do Disque 100, sobre abuso sexual contra crianças e adolescentes
são trotes. A prática, aliada à falta de estrutura no sistema de
proteção (como nas delegacias e conselhos tutelares), dificulta o
trabalho dos agentes da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Criança
e o Adolescente (Dercca), em Salvador, responsáveis por apurar, em
média, 18 casos semanais.
Na Dercca, seis agentes são responsáveis pelas investigações das 542
denúncias de abuso sexual, somente em Salvador, de janeiro a julho. A
constatação é da coordenadora do Centro de Apoio da Criança e do
Adolescente (Caoca/MP-BA), promotora Eliana Bloizi. Ela reclama da
inexistência de delegacias especializadas no interior da Bahia, que
está no topo do ranking dos estados com mais registros de abuso sexual
contra este público. Para ela, o panorama agrava o quadro atual, no qual
43% (404) das denúncias feitas este ano ainda não tiveram investigações
concluídas pela polícia.
"Os investigadores perdem tempo apurando denúncias que nada mais são do
que brigas entre familiares, vizinhos ou meramente acusações sem
fundamento", reclama a promotora Eliana Bloizi.
Vítima - Uma manhã na Dercca é suficiente para
chegar-se à conclusão de que a preocupação da promotora procede, pois os
trotes desviam o foco de um problema real. Um menino na sala de
atendimento, semana passada, engrossava as estatísticas. Com apenas 5
anos, ele contou que foi violentado pelo tio, que tomava conta dele
enquanto a mãe trabalhava. "Nunca achamos que vai acontecer com a gente.
Deveria ter observado mais o meu irmão", lamentava a mãe, de 28 anos.
Segundo a delegada Ana Crícia, titular da Dercca, na unidade chegam, em
média, 400 denúncias mensais, entre abusos, maus-tratos e abandono. Ela
não tem estatísticas sobre o índice exato de trotes: "A análise é
superficial. Não conseguimos sequer dar conta de todas as denúncias que
chegam", lamenta. "São casos que demandam um tempo de investigação. É
preciso campana (observação), ouvir vizinhos, ir à escola das vítimas".
Nos sete primeiros meses deste ano, foram 2.189 ocorrências, sendo que
240 relativas a delitos sexuais cometidas contra o público
infantojuvenil (40 estupros, 163 estupros de vulnerável, seis casos de
exploração sexual e 31 imputações ofensivas).
Tomando por base números de 2008 a 2010 da Dercca, os últimos
divulgados, das 5.264 denúncias protocoladas na unidade, apenas 1,06%
teve procedimento de investigação instaurado. "Mas isso não significa,
necessariamente, que os outros casos não foram apurados. Podemos
concluir que não tiveram inquéritos instaurados por não terem sido
confirmados ou por ainda se encontrarem em apuração", explica a titular
da unidade.
Estado - Por meio da assessoria de comunicação, o
secretário da Segurança Pública, Maurício Teles Barbosa, informa que
ainda não há previsão para a criação de mais unidades especializadas na
Bahia. Por enquanto, "a prioridade é ampliar os serviços da unidade já
existente", diz o comunicado. Ainda segundo o órgão, o Estado aguarda a
contratação de mais policiais e deve investir em infraestrutura.
Dados recentes divulgados pelo governo federal indicam que a Bahia
lidera o ranking de denúncias de violência sexual contra crianças e
adolescentes. Até junho deste ano, o Disque 100 recebeu 1.980 denúncias
da Bahia (12% do total do País, com 16.080). Segundo e terceiro estados
no ranking, São Paulo teve 1.607 denúncias, e Rio de Janeiro, 1.578.
No Nordeste, o Maranhão é o segundo da região e o quinto na colocação nacional, com menos da metade dos casos da Bahia (882).
Fonte: Agência A Tarde
Helga Cirino
Foto: Raul Spinassé
Nenhum comentário:
Postar um comentário