No dia 30 de novembro de
2011, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento de um caso da
maior relevância para a garantia dos direitos de crianças e
adolescentes: a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2404, proposta pelo
PTB, que contesta parte do artigo 254 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). Este artigo estabelece que as emissoras de televisão
devem respeitar os horários autorizados para exibição de determinados
programas, de acordo com sua classificação etária indicativa.
Um pedido de vistas interrompeu o julgamento, após o voto do
relator Dias Toffoli e de outros três ministros, todos aceitando a tese
da inconstitucionalidade. As entidades abaixo assinadas discordam deste
entendimento e têm grande preocupação com os rumos do julgamento, que
pode acabar, na prática, com a existência de horários protegidos na
televisão brasileira, afetando diretamente a eficácia da Classificação
Indicativa. Ao contrário do que afirmaram os ministros, a previsão do
ECA é imprescindível para a concretização desta política.
Por que precisamos da Classificação?
A Classificação Indicativa é um importante instrumento para
assegurar aos pais e responsáveis meios de promover o adequado
desenvolvimento de seus filhos. Ao definir uma determinada faixa etária
para a qual um programa de entretenimento é indicado e associá-la ao
horário em que este programa pode ser exibido na televisão aberta, a
política classificatória garante que atrações contendo doses elevadas de
violência, de sexo ou de uso de drogas não sejam veiculadas durante o
dia, quando a imensa maioria das crianças está diante da TV,
frequentemente sem acompanhamento da família.
Assim, longe do argumento propagado – o de que o Estado estaria
assumindo o lugar dos pais na tutela dos filhos –, a Classificação
Indicativa é uma forma de materializar a proteção integral às crianças,
prevista no artigo 227 da Constituição Federal como um dever não apenas
das famílias, mas da sociedade e também do Estado. Neste caso, ela apoia
os pais no exercício do poder familiar, em consonância com o artigo
220, que trata da liberdade de expressão e informação:
§ 3º - Compete à lei federal:
I - regular as diversões e
espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza
deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em
que sua apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais
que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de
programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto
no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços
que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Classificação não é censura
Na interpretação do ministro relator da ADI 2404, o termo
“informar” deveria ser entendido como a informação do poder público às
emissoras. Na verdade, a classificação é indicativa para os pais, mas
deve ser seguida obrigatoriamente pelas empresas. A análise conjunta dos
artigos 220, 221 e 227 da Constituição Federal demonstra que não há
conflitos em relação à constitucionalidade da matéria.
Além disso, ao contrário do que foi afirmado, a Classificação
Indicativa não censura qualquer tipo de conteúdo. Não há análise prévia
das atrações, a classificação é feita pelas empresas a partir de
parâmetros claros e os pais continuam livres para deixar ou não seus
filhos terem acesso a todos os programas. Tampouco a classificação pode
ser aplicada à programação jornalística. O que cabe ao Estado
brasileiro, por meio do sistema classificatório, é cuidar de fazer
convergirem o direito à liberdade de expressão e os direitos das
crianças e adolescentes à proteção integral.
Mais de cinco décadas de estudos realizados em inúmeros países
atestam que o dano causado por conteúdos audiovisuais veiculados em
faixas horárias inadequadas pode ter impactos sobre as crianças –
impactos que são de difícil mensuração imediata e também de difícil
reparação posterior. Diante desse conhecimento acumulado, é de se
esperar que o Estado não se furte à responsabilidade de apoiar os pais a
garantirem o direito de seus filhos em relação a uma programação
televisiva de qualidade –especialmente em função da natureza da TV
aberta, um serviço público prestado sob concessão da União.
Sistema brasileiro está alinhado com o de outras democracias
Não é por acaso, portanto, que sistemas similares ao da
Classificação Indicativa brasileira vigoram em um extenso grupo de
nações democráticas: Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Estados
Unidos, Canadá, Austrália, Chile, entre tantas outras. Da mesma forma,
as cortes máximas desses países já se debruçaram sobre a matéria,
decidindo por sua constitucionalidade. Há mais de 30 anos, por exemplo, a
Suprema Corte dos Estados Unidos considerou que não feria a Primeira
Emenda da constituição norte-americana (seção que trata da liberdade de
expressão) o fato da Federal Communications Commission (FCC), agência
vinculada ao governo, ter o poder de impor sanções a emissoras que
disseminarem conteúdos inadequados às crianças durante os horários
protegidos (FCC v. Pacifica Foundation, decisão proferida em 3 de julho
de 1978).
O atual modelo brasileiro de Classificação Indicativa, implementado
pelo Ministério da Justiça desde 2007, beneficia-se desta vasta
experiência registrada no cenário internacional. Está fundamentando em
pesquisas detalhadas sobre os sistemas de outras nações democráticas e é
resultado de um processo de construção que se estendeu por três anos,
com seminários, audiências públicas e um amplo debate na mídia – sempre
envolvendo juristas, empresas de comunicação, entidades da sociedade
civil e núcleos acadêmicos.
Em defesa da liberdade de expressão
Estamos certos de que a liberdade de expressão é um direito
fundamental, que deve ser defendido contra qualquer ameaça autoritária –
exatamente por isso, não é possível aceitar que este direito seja
utilizado como argumento para encobrir os interesses comerciais que
movem as empresas concessionárias de radiodifusão contra a Classificação
Indicativa. Caso venha a adotar a tese proposta pelo PTB e defendida
pela Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert),
declarando a inconstitucionalidade do artigo 254 do ECA, o STF estará
assumindo uma visão absolutista e equivocada da liberdade de expressão,
que não encontra respaldo nas democracias ocidentais.
Frente a esses argumentos, as organizações, fóruns e redes
abaixo-assinados esperam que o Supremo Tribunal Federal possa declarar
improcedente a ADI 2404 e manter, assim, a obrigatoriedade de que as
emissoras respeitem os horários estabelecidos pelo sistema de
Classificação Indicativa atualmente em vigor.
Brasília, 19 de março de 2012
Este manifesto é assinado pelas entidades e pessoas físicas abaixo relacionadas e está aberto a novas adesões através do email clasindicativa@andi.org.br.
Entidades:
ABEP - Associação Brasileira de Ensino de Psicologia
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária de Sergipe
ANDI – Comunicação e Direitos
ANCED - Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
JUSDH - Articulação Justiça e Direitos Humanos
Avante Educação e Mobilização Social
CEDECA Casa Renascer RN
CFP - Conselho Federal de Psicologia
CIPÓ - Comunicação Interativa
Comunicação e Cultura
Comunidade Bahá'í do Brasil
Conectas Direitos Humanos
CONRAD - Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária
Fórum Sergipano pelo Direito à Comunicação
GIRA Solidário - Promoção e Defesa da Infância e Adolescência
EMERGE - Centro de Pesquisas e Produção em comunicação e Emergência
Instituto Alana
Fenadados – Federação Nacional dos Trabalhadores em empresas de processamento de dados, serviços de informática e similares
Fitert - Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão
Fittel - Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações
FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Instituto da Infância
Instituto Recriando – Inclusão e Cidadania
Instituto Telecom
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Justiça Global
Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas (UFES)
Pastoral do Menor Nacional
Rede Nacional Primeira Infância
Sindicato dos Radialistas do Estado de Goiás
Sindicato dos Radialistas do Estado do Piauí
Sindicato dos Radialistas do Estado do Rio de Janeiro
Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo
Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso
Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos – SDDH
“SOS-Imprensa”, projeto de Ação Continuada do Decanato de Extensão da UnB
Terra de Direitos - Organização de Direitos Humanos
Pessoas físicas:
Antonio Carlos Hohlfeldt (Professor Pós-Doutorando da Universidade Fernando de Pessoa – UFP – em Portugal)
Silnei Scharten Soares (Professor Doutorando em Comunicação Social pela Universidade de Brasília)
Vicente Gosciola (Professor Doutor Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi)
Fonte: Portal ANDI
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