quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Súmula 492 do STJ, Esperança Para o ECA

No último dia 13 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou a Súmula 492, a qual determina que "o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente."

Claramente editada com o intuito de dar cumprimento às disposições do ECA (Lei 8069/90), a Súmula do STJ busca coibir prática corrente em nosso Judiciário mais conservador, qual seja aplicar ao adolescente em conflito com a lei a medida socioeducativa mais severa em razão de ato infracional que seria alvo de medida mais branda, quando aplicável. Vale dizer: costumeiramente, o Judiciário vinha decidindo pela internação de adolescentes pela prática de tráfico, quando o ECA (art. 122) definiu claramente as hipóteses em que o adolescente deverá cumprir medida socioeducativa privativa de liberdade, como a internação. São elas: 1. quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; 2. por reiteração no cometimento de outras infrações graves; 3. por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Claro está que o adolescente levado à internação pela prática de tráfico, sem anterior ato infracional, é desautorizada por lei.

Vale sempre lembrar que a medida socioeducativa de internação, nos termos do art. 121 do ECA, deve ser adotada EXCEPCIONALMENTE e com a BREVIDADE recomendável, em respeito à condição peculiar do adolescente enquanto pessoa em desenvolvimento. 

Mesmo assim, surpreendentemente, vozes da comunidade jurídica se levantam contra a Súmula 492, alegando que ela é uma porta aberta para o aumento do tráfico. 

Ora, parece claro que o tráfico é muito maior que os adolescentes. Não é o adolescente que produz a droga, que entra com ela no País, que a distribui nacionalmente ou que faz a gestão de uma das maiores indústrias do mundo. Não é o adolescente que corrompe as instituições do Estado para impor o seu negócio. Afinal quem mantém essa indústria? Quem são os consumidores que mantêm esse mercado vivo? Quais são as políticas públicas para tratar essas situações? Esse é o problema que garante a continuidade e expansão do tráfico.


Polêmicas à parte, interessa-nos aqui propor o debate em torno das causas que levam os adolescentes ao tráfico. Obviamente, o problema é multicausal e merece tratamento em diferentes dimensões.

Comumente, afirma-se que o adolescente busca no tráfico garantir a manutenção do próprio vício ou dinheiro para acessar bens de consumo, como tantos outros adolescentes, alvos do poder da mídia em uma sociedade onde o parecer e o ter se impõem ao ser.
A essas hipóteses, juntamos uma terceira. O adolescente que trafica, como qualquer outro jovem, busca acolhimento do grupo, busca pertencer a algo que o identifique. Ele quer ser diferente de todos, mas igual a seu grupo. Ele deseja, dentro desse grupo, o poder, ou os símbolos de poder que esse grupo reconhece. Ele deseja subir no negócio do tráfico; ele cobiça a menina mais desejada de sua comunidade, que valoriza o cara mais poderoso, mais temido; ele deseja orgulhar-se de si mesmo, ainda que seja pela prática de crimes. Ele deseja Poder.

Desde cedo, esse mesmo adolescente conviveu com o abandono, a exclusão, a violência. Desde cedo, foi privado da segurança de uma moradia adequada, de alimentação, saúde, saneamento, educação com qualidade, lazer, respeito, oportunidade, amor, enfim, daquilo que pode produzir uma pessoa emocionalmente sadia. Algum cínico dirá: mas há aqueles que convivem com tudo isso e não optam pelo crime. É verdade. Mas esses são heróis, sobreviventes. O mundo não é feito de heróis, mas de pessoas normais, frágeis, que muitas vezes precisam se ancorar no grupo, ainda que ele não seja uma Congregação Mariana.

O atendimento socioeducativo no Brasil não pode se fundar na eterna construção de mais centros de internação para encarcerar mais e mais adolescentes com base em uma justiça vingativa e punitiva, que não recupera ninguém. Por mais que haja setores da sociedade que gostariam de ver os adolescentes em conflito com a lei encarcerados até a vida adulta, ou mesmo mortos, enfim, longe de seus olhos, o Estado, por meio de seus agentes e instituições, não se pode mover pelo irracionalismo do clamor popular para agredir a lei e os direitos humanos.

Propalar a ideia de que os 42,7% de adolescentes internos de São Paulo por tráfico serão imediatamente postos em liberdade e sairão às ruas para praticar novos atos infracionais ou crimes é irresponsável e um ato de terrorismo social que só acirra a intolerância e nada contribui para o debate de tema tão sério.

O ECA, apesar de seus 22 anos, ainda não se efetivou plenamente. Em relação às medidas socioeducativas, esse distanciamento é ainda maior, como comprovam os relatórios produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça, a partir de visitas realizadas aos centros de internação de adolescentes em todo o País, ou os meios de comunicação de massa, como recentemente vimos serem tratados os meninos internos nas instituições de vários estados brasileiros através da tela da Rede Globo.

O que dizer sobre o descumprimento a uma lei que possui 22 anos de existência? Até quando as autoridades responsáveis por esse adolescente poderão responder que estão se adequando à lei? Por que aceitamos com tanta naturalidade o descumprimento à lei que assegura direitos a esses adolescentes e somos implacáveis quando a situação é inversa?
Lamentavelmente, para fazermos cumprir uma lei no Brasil, muitas vezes outra é necessária. Por isso, a recente lei do Sinase (Lei 12594/2012).

Posições conservadoras e em dissonância com a lei não contribuem para a efetivação dos direitos da infância e juventude.

Marcelo C. A. Rocha (Formado em Direito pela USP e especializado em Gestão Pública e Relações Internacionais; é Relações Institucionais da Ação Popular Brasil, organização cuja missão é o controle social dos atos do Estado)
marcelo.acaopopularbr@gmail.com

Fonte: Pró-Menino

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